Oscar
Wilde morreu num quarto de hotel. Parece que ele estava
incomodadíssimo com a decoração. Reza a lenda que suas últimas
palavras foram: “Ou eu ou esse papel de parede”. Um século
depois, o quarto de hotel em que ele morreu continua idêntico. O
papel de parede venceu a batalha.
Escrevo
esta crônica num quarto de hotel, sozinho. Daqui a algumas horas
vamos fazer uma peça em Salvador. Todo mundo foi almoçar, menos eu
— fiquei aqui pra escrever a crônica. Alguma coisa me dá uma
tristezinha braba. Não sei se é a fome ou o edredom laranja, ou a
poltrona laranja, ou o quadro laranja — será que eles pensaram
nisso? Será que eles encomendaram um quadro laranja pra combinar com
o edredom? Ou será que foi o contrário?
Pedi
na recepção a senha do wi-fi. “A internet custa trinta reais,
senhor.” Não comprei como forma de protesto. “Wi-fi é que nem
água, não se cobra”, eu disse. “Sim, eu sei que vocês cobram
cinco reais pela água, mas não deveriam.” A moça pediu desculpas
e continuou a fazer o que ela estava fazendo. Quando cheguei no
quarto, lembrei que preciso do wi-fi pra mandar a crônica. Lembrei
que preciso escrever a crônica. Durante a semana eu tenho várias
ideias pra crônica. Mas nunca tenho nenhuma ideia no sábado, que é
quando eu tenho que escrever a crônica. Você deve estar se
perguntando: por que é que eu não escrevo a crônica durante a
semana, no momento exato em que eu tenho uma ideia pra escrever a
crônica?
Foi
a mesma coisa que a Clarice me perguntou. Eu fiquei sem resposta —
ela sempre me deixa sem resposta. Daí ela disse que eu tenho que
aprender a me programar, que toda semana é a mesma coisa, o mesmo
desespero pra cumprir compromissos que eu assumi há milênios, e que
eu não tinha que ter brigado com a moça do wi-fi, e foi almoçar.
Agora aqui estou eu, sozinho, e com fome, e sem wi-fi. Por um
momento, tenho uma ideia brilhante. Vou ligar pra Folha e
falar que não posso mandar a crônica porque não tenho wi-fi. Custa
trinta reais e eu não quero pagar esse preço. Não, essa foi a pior
ideia do mundo. Isso não faz o menor sentido.
A
vida volta e meia te põe nessa encruzilhada: é melhor ser feliz ou
ter razão? De um jeito, eu fico sem wi-fi, sem crônica e,
possivelmente, sem emprego. Do outro, eu fico sem razão. É melhor
ser feliz que ter razão. É melhor ter wi-fi que ter razão. Não
vale a pena morrer por um papel de parede. “Oi, moça, desculpa, eu
mudei de ideia, vou querer o wi-fi. E desculpa qualquer coisa.”
Gregório Duvivier, in Put some farofa
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