sábado, 18 de fevereiro de 2023

É melhor ter wi-fi que ter razão

Oscar Wilde morreu num quarto de hotel. Parece que ele estava incomodadíssimo com a decoração. Reza a lenda que suas últimas palavras foram: “Ou eu ou esse papel de parede”. Um século depois, o quarto de hotel em que ele morreu continua idêntico. O papel de parede venceu a batalha.
Escrevo esta crônica num quarto de hotel, sozinho. Daqui a algumas horas vamos fazer uma peça em Salvador. Todo mundo foi almoçar, menos eu — fiquei aqui pra escrever a crônica. Alguma coisa me dá uma tristezinha braba. Não sei se é a fome ou o edredom laranja, ou a poltrona laranja, ou o quadro laranja — será que eles pensaram nisso? Será que eles encomendaram um quadro laranja pra combinar com o edredom? Ou será que foi o contrário?
Pedi na recepção a senha do wi-fi. “A internet custa trinta reais, senhor.” Não comprei como forma de protesto. “Wi-fi é que nem água, não se cobra”, eu disse. “Sim, eu sei que vocês cobram cinco reais pela água, mas não deveriam.” A moça pediu desculpas e continuou a fazer o que ela estava fazendo. Quando cheguei no quarto, lembrei que preciso do wi-fi pra mandar a crônica. Lembrei que preciso escrever a crônica. Durante a semana eu tenho várias ideias pra crônica. Mas nunca tenho nenhuma ideia no sábado, que é quando eu tenho que escrever a crônica. Você deve estar se perguntando: por que é que eu não escrevo a crônica durante a semana, no momento exato em que eu tenho uma ideia pra escrever a crônica?
Foi a mesma coisa que a Clarice me perguntou. Eu fiquei sem resposta — ela sempre me deixa sem resposta. Daí ela disse que eu tenho que aprender a me programar, que toda semana é a mesma coisa, o mesmo desespero pra cumprir compromissos que eu assumi há milênios, e que eu não tinha que ter brigado com a moça do wi-fi, e foi almoçar. Agora aqui estou eu, sozinho, e com fome, e sem wi-fi. Por um momento, tenho uma ideia brilhante. Vou ligar pra Folha e falar que não posso mandar a crônica porque não tenho wi-fi. Custa trinta reais e eu não quero pagar esse preço. Não, essa foi a pior ideia do mundo. Isso não faz o menor sentido.
A vida volta e meia te põe nessa encruzilhada: é melhor ser feliz ou ter razão? De um jeito, eu fico sem wi-fi, sem crônica e, possivelmente, sem emprego. Do outro, eu fico sem razão. É melhor ser feliz que ter razão. É melhor ter wi-fi que ter razão. Não vale a pena morrer por um papel de parede. “Oi, moça, desculpa, eu mudei de ideia, vou querer o wi-fi. E desculpa qualquer coisa.”

Gregório Duvivier, in Put some farofa

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