quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

O Lobo do Mar | Capítulo 33


Passamos o dia todo esperando que Wolf Larsen viesse até a praia. Foi um período de ansiedade intolerável. A todo momento, algum de nós lançava um olhar de expectativa na direção do Ghost. Mas ele não veio. Nem mesmo apareceu no convés.
Talvez sejam as dores de cabeça — especulei. — Eu o deixei deitado no tombadilho. Pode acabar deitado lá a noite inteira. Acho que vou ver o que está acontecendo.
Maud me dirigiu um olhar de súplica.
Tudo bem — assegurei a ela. — Levarei os revólveres. Você sabe que recolhi todas as armas que havia a bordo.
Mas não recolheu aqueles braços e mãos, aquelas mãos terríveis! — ela protestou, rogando em seguida: — Oh, Humphrey, tenho medo dele! Não vá. Por favor, não vá!
Ela segurou minha mão para me deter e minha pulsação disparou. Por um momento, o coração me subiu à boca. Que mulher amada e adorável! Ainda mais agora que se agarrava a mim e suplicava, orvalho e luz para minha virilidade, enraizando-a e nutrindo-a de um vigor renovado. Senti-me inclinado a abraçá-la como havia feito no meio da multidão de focas, mas reconsiderei e me contive.
Não correrei riscos desnecessários — falei. — Só vou espiar por cima da proa.
Ela apertou minha mão com força e soltou. Mas o local do convés onde eu o deixara estava vazio. Era evidente que ele havia descido. Naquela noite nos alternamos na vigia, dormindo um de cada vez, pois era impossível saber o que Wolf Larsen faria. Ele certamente era capaz de tudo.
Esperamos durante todo o dia seguinte e o outro, mas ele não deu sinais.
Essas dores de cabeça que ele sofre, esses ataques — disse Maud na tarde do quarto dia —, pode ser que esteja doente, muito doente. Pode ser que esteja morto. — Depois de uma pausa para que eu dissesse algo, acrescentou: — Ou morrendo.
Melhor assim — respondi.
Mas pense nisso, Humphrey, é um semelhante, sozinho em sua hora final.
Talvez — considerei.
É, talvez — ela reconheceu. — Mas não sabemos. Seria terrível se assim fosse. Eu nunca me perdoaria. Precisamos fazer alguma coisa.
Talvez — repeti.
Aguardei, sorrindo em segredo diante daquela sua faceta de mulher que lhe inspirava consideração por Wolf Larsen, justo ele. Onde estava agora sua consideração em relação a mim, pensei, lembrando que dias antes ela temia que eu desse apenas uma espiada a bordo.
Ela era muito perspicaz para não captar o que o meu silêncio ocultava. E era tão direta quanto perspicaz.
Você precisa subir a bordo, Humphrey, para descobrir — ela disse. — E caso queira rir de mim terá meu consentimento e meu perdão.
Obediente, levantei e saí caminhando pela praia.
Tome cuidado — ela gritou atrás de mim.
Acenei com o braço do topo do castelo de proa e desci até o convés. Caminhei em direção à popa até a entrada da cabine, onde me contentei em chamar em voz alta. Wolf Larsen respondeu, e, quando ele começou a subir pela escada, engatilhei meu revólver. Eu o mostrei às claras durante toda a nossa conversa, mas ele pareceu não notar. Seu aspecto físico era o mesmo da última vez, mas ele estava calado e abatido. Na verdade, as poucas palavras que trocamos mal poderiam ser chamadas de uma conversa. Não perguntei por que ele não havia descido até a praia e ele não perguntou por que eu havia subido a bordo. Sua cabeça estava boa de novo, ele disse, e com isso encerrei nosso colóquio e fui embora.
Maud recebeu meu relatório com alívio evidente, e a fumaça que subiu mais tarde da cozinha da escuna trouxe melhoras ao seu estado de ânimo. No dia seguinte, e no outro, vimos fumaça saindo da cozinha e breves aparições no tombadilho. Mas isso era tudo. Ele não fez nenhuma tentativa de desembarcar. Sabíamos disso porque mantivemos nossas vigias noturnas. Esperávamos que ele fizesse alguma coisa, que mostrasse as cartas, por assim dizer, e sua inatividade era motivo de confusão e receio para nós.
Uma semana se passou dessa maneira. Não tínhamos outro interesse a não ser Wolf Larsen, e a apreensão que sua presença fazia pesar sobre nós impedia que nos dedicássemos a todas as outras pequenas coisas que havíamos planejado.
Ao término da semana, contudo, a fumaça parou de sair da cozinha e ele não apareceu mais no tombadilho. Eu via a solicitude de Maud crescer novamente, embora ela, creio que por timidez ou até mesmo orgulho, evitasse repetir o pedido que fizera anteriormente. E quem poderia censurá-la? Ela era divinamente altruísta, e era mulher. Além disso, eu próprio reconhecia em mim algum sofrimento ao pensar que aquele homem que eu havia tentado matar estava morrendo sozinho tão perto de seus semelhantes. Ele tinha razão. O código do meu grupo era mais forte do que eu. O fato de ele possuir mãos, pés e um corpo mais ou menos com o mesmo formato do meu declarava algo que eu não podia ignorar.
Por isso, não esperei que Maud me enviasse para lá uma segunda vez. Descobri que precisávamos de mais leite condensado e geleia e anunciei que subiria a bordo. Ela estremeceu. Chegou a murmurar que não eram itens imprescindíveis e que minha viagem poderia resultar infrutífera. E, assim como havia captado o que estava por trás do meu silêncio, captou o que estava por trás de minha fala e entendeu que eu não estava subindo a bordo por causa do leite condensado e da geleia, mas sim por causa dela e de seu estado de ansiedade, que ela não conseguia dissimular.
Tirei os sapatos ao alcançar o topo do castelo de proa e andei de meias rumo à popa, sem fazer barulho. Dessa vez, nem gritei do alto da escotilha. Desci cautelosamente e encontrei a cabine abandonada. A porta de seu camarote estava fechada. Primeiro pensei em bater, mas em seguida lembrei da tarefa a que me propunha e resolvi cumpri-la. Tomando o cuidado de não fazer barulho, levantei o alçapão no piso e o coloquei de lado. O bazar de roupas estava alojado na despensa junto com as provisões, e aproveitei a oportunidade para apanhar uma pilha de roupas de baixo.
Ao subir da despensa, ouvi ruídos no camarote de Wolf Larsen. Me agachei e ouvi. A maçaneta chacoalhou. Furtivamente, movido pelo instinto, me encolhi atrás da mesa e saquei e engatilhei o revólver. A porta abriu e ele avançou. Eu nunca tinha visto um desespero tão profundo quanto aquele que estava estampado em seu rosto, o rosto do Wolf Larsen lutador, do homem forte e indômito. Qualquer um poderia tê-lo confundido com uma mulher pela maneira como espremia as mãos, erguia os punhos cerrados e gemia. Uma das mãos se abriu e ele esfregou os olhos com a palma como se limpasse teias de aranha.
Deus! Deus! — ele gemeu, erguendo os punhos novamente contra o desespero infinito que vibrava em sua garganta.
Era horrendo. Eu tremia de cima a baixo e sentia os calafrios percorrendo minha espinha e o suor cobrindo minha testa. Poucas coisas no mundo devem ser mais terríveis de ver que o espetáculo de um homem vigoroso sujeito à absoluta fraqueza e destruição.
Mas Wolf Larsen readquiriu o controle, pondo no esforço toda a sua notável determinação. E que esforço foi! Sua estrutura inteira tremeu. Parecia um homem à beira de uma convulsão. Seu rosto se contraiu e se retorceu, brigando para se recompor, até que ele perdeu o controle outra vez. Os punhos cerrados foram de novo para o alto e os gemidos voltaram. Ele recuperou o fôlego um par de vezes e soluçou. Dessa vez, foi bem-sucedido. Eu poderia tê-lo confundido com o velho Wolf Larsen, mas em seus movimentos ainda havia indícios de fraqueza e indecisão. Ele começou a se dirigir para a escotilha e andou com o que parecia ser a firmeza habitual, mas de novo, em seu jeito de andar, surgiram os indícios de fraqueza e indecisão.
Agora eu estava mais preocupado comigo mesmo. O alçapão aberto estava bem em seu caminho, e ao descobri-lo ele descobriria também a minha presença. Tive raiva de mim mesmo por me deixar surpreender numa posição tão covarde, agachado no chão. Ainda havia tempo. Fiquei em pé rapidamente e assumi, de forma um tanto inconsciente, uma postura agressiva. Ele não reparou em mim. Tampouco reparou no alçapão aberto. Antes que eu pudesse entender a situação ou agir de acordo, ele pisou bem no buraco do alçapão. Um pé entrou pela abertura e o outro estava prestes a iniciar o movimento de subida. Mas, quando o pé que descia perdeu o chão e sentiu o vazio embaixo, o velho Wolf Larsen dos músculos tigrinos entrou em ação e o corpo já em queda saltou sobre a abertura, fazendo com que ele caísse de barriga e peito, com os braços abertos, no lado oposto do piso. No instante seguinte, já tinha recolhido as pernas e rolado para longe da abertura, ou seja, por cima da geleia, das roupas de baixo e da porta do alçapão.
A expressão em seu rosto foi de total compreensão. Mas antes que eu pudesse adivinhar o que ele havia compreendido ele pôs a tampa no lugar e fechou o acesso à despensa. Então entendi. Ele pensou que havia me trancado lá dentro. Além disso, ele estava cego como um morcego. Continuei a observá-lo, cuidando da respiração para que ele não me ouvisse. Ele entrou correndo em seu camarote. Percebi que sua mão errou a maçaneta por um centímetro e tateou até encontrá-la. Era a minha chance. Atravessei a cabine na ponta dos pés e subi a escada. Ele retornou arrastando um baú pesado e o posicionou em cima do alçapão. Depois recolheu a geleia e as roupas de baixo e colocou tudo sobre a mesa. Quando ele começou a subir pela escada da escotilha, retrocedi e rolei em silêncio por cima da cabine.
Ele abriu bem a portinha corrediça e descansou os braços na entrada, com o corpo ainda dentro da escada de acesso. Sua atitude sugeria que ele estava observando toda a extensão da escuna, ou olhando fixo para alguma coisa, já que seus olhos não se moviam nem piscavam. Eu estava a apenas um metro e meio dele, bem na frente do que deveria ser sua linha de visão. Era insólito. Senti-me um fantasma. Eu estava invisível. Acenei com a mão e não obtive reação alguma, até que a sombra passou por cima de seu rosto e ele se mostrou suscetível à sensação. Tentando analisar e identificar essa sensação, seu rosto foi ficando mais tenso e expectante. Ele sabia que havia reagido a alguma coisa externa, que sua sensibilidade fora tocada por alguma mudança no ambiente, mas não podia saber o que era. Parei de acenar com a mão para que a sombra ficasse parada. Ele moveu a cabeça para a frente e para trás e a virou para os dois lados, expondo-a ora à sombra, ora ao sol, como se testasse a sombra com os sentidos.
Eu também estava ocupado tentando entender como ele podia detectar a existência de algo tão intangível como uma sombra. Se a única parte afetada fossem seus globos oculares, se seu nervo óptico não estivesse completamente destruído, a explicação seria simples. Caso contrário, a única conclusão possível era que sua pele sensível reconhecia a diferença de temperatura entre a sombra e o sol. Ou talvez o lendário sexto sentido lhe revelasse o vulto e a sensação de um objeto ao alcance da mão. Por que não?
Ele desistiu da tentativa de desvendar a sombra, pisou no convés e começou a andar rumo à proa, caminhando com agilidade e confiança surpreendentes. Seja como for, seus passos ainda revelavam indícios da fragilidade trazida pela cegueira. Agora eu sabia do que se tratava.
Para meu desgosto e divertimento, ele encontrou meus sapatos no topo do castelo de proa e os trouxe de volta consigo para a cozinha. Observei ele acender o fogo e começar a cozinhar sua comida. Depois, me infiltrei novamente na cabine para buscar a geleia e as roupas de baixo, me esgueirei pela cozinha e desci até a praia para transmitir, descalço, meu relatório.

Jack London, in O Lobo do Mar

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