Como é que foi feito o mundo, por que é que aqui tem este bicho e ali não tem? Olhem que já não pergunto por que não há girafas no Piauí nem hipopótamos no Acre. Não há, acabou-se. Mas o pequeno mistério do mono é que me fascina.
Na
linguagem comum “mono” pode ser qualquer macaco, mas no interior
do Brasil, onde as pessoas falam certo, assim se chama apenas um
certo macaco, cujo cartão de visitas em latim é Eriodes
arachnoides.
É
exatamente o maior macaco do Brasil, país, como se sabe, de grande
macacada; como nas Américas não temos gorilas, o rei da macacada é
o nosso prezado mono, com seus setenta centímetros de corpo e mais
setenta de cauda. É fácil de distinguir — ensina Rodolpho Von
Ihering, — pelo seu polegar atrofiado, um simples coto sem unha.
Goeldi (não o nosso querido gravador, mas o pai dele) diz que a
gente encostando o dedo na extremidade da cauda de um mono morto de
fresco, ele (o mono) agarra o dedo da gente. Nunca brinquei com mono
morto para conferir.
Para
ser entendido pelos caçadores direi que o mono também é conhecido
por “buriqui” ou “muriquina”, e seu pêlo é um amarelo
desbotado. Sei que há monos no Estado do Rio, em Minas, em S. Paulo,
até onde ele existe no Sul não sei. Mas para o Norte o mono tem uma
divisa, e é isso que me invoca e fascina: ele só vai até o rio
Doce, um rio que nasce em Minas e atravessa o Espírito Santo. Quem
me contou isso foi um caçador da terra, o Luís Alves, de Cachoeiro,
que hoje mora em Vitória. Depois perguntei a muitos caboclos da
beira do rio Doce e todos confirmaram: “Naquele lado tem muito
mono, neste não é capaz.”
Ora,
uma noite destas eu estava sozinho em minha casa, e contrariado com
umas histórias de mulher; me deu insônia. De repente, não sei por
que, comecei a pensar no mono, e mais tarde, quando dormi, o mono
entrou pelo meu sonho; acordei logo, com o mono na cabeça. Quanta
angústia não passaram os monos quando começaram a ser derrubadas
as matas de S. Paulo, do Estado do Rio, do Espírito Santo!
Assustados pelos caçadores e tangidos pela falta de comida, eles
foram emigrando para o Norte e com certeza subiram muita serra e
passaram muito rio com o rabo agarrado a uma ponta de cipó.
Mas
quando chegaram ao rio Doce, pararam. Ali no Espírito Santo o rio
tem centenas de metros de largura. A derrubada e os incêndios
começaram do lado de cá, na margem sul. Imagino os olhos tristes
dos grandes monos olhando, dos altos galhos da floresta, a grande
massa líquida — e, do outro lado, a Floresta Proibida, ou a Terra
Prometida dos Monos Perseguidos.
Hoje
há pontes sobre o grande rio; mas onde há essas pontes — em
Colatina e em Linhares — o mono não ousa passar porque ali
enxameiam esses estranhos monos sem cauda, os homens, bichos cruéis
que matam outros bichos só pelo prazer de matar.
Devo
fazer um apelo patético pela salvação dos monos do Brasil?
Não,
ele não seria ouvido. Mas me deixem a liberdade de ter pena desses
nossos tristes irmãos peludos e condenados. Levá-los para o outro
lado do rio Doce já pouco adiantaria, que o machado e o fogo já
passaram em sua frente. Talvez pudéssemos levar um casal de monos
para a Amazônia...
Mas
seria preciso que nós, os homens, fôssemos, pelo menos, humanos.
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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