quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

“Veja como estão agradecidas...”

Quando chovia, meu pai gostava de se assentar num tamborete, fumando seu cachimbo, à janela da cozinha da casa velha. Os tomateiros, hortelãs e manjericão exalando seus perfumes. As folhas de couve e espinafre, brincando de juntar gotas de água, redondas e brilhantes. As árvores e os arbustos executando seus passos de dança, balançando as folhas sob os pingos que caíam.
Olhava, sorria, soltava uma baforada e dizia: “Veja como estão agradecidas...” .
Como se cada ervinha se parecesse com ele e tivesse, secretamente, alegria de viver. Daí sua gratidão vegetal. Diz o capítulo 6 do livro do profeta Isaías que, no momento em que teve sua visão, o templo se encheu de fumaça. Pergunto-me se o profeta não estaria baforando seu cachimbo... A fumaça é um poderoso alucinógeno.

Rubem Alves, in O velho que acordou menino

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