quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Pelo telefone | Donga e Mauro de Almeida, 1916


Houve quem afirmasse que aquilo era mais um maxixe do que um samba, mas este foi o gênero usado para classificar “Pelo telefone” nos rótulos dos dois discos Odeon gravados em dezembro de 1916, tanto pelo cantor Bahiano quanto pela Banda da Casa Edison. Além dessa ressalva, pesquisadores já encontraram registros de pelo menos dois outros 78 rpm editados antes trazendo o então recém-nascido gênero no rótulo. Mas, como ambos passaram em branco, o crédito de “primeiro samba gravado” ficou com o agora centenário “Pelo telefone”. Sucesso imediato na época, este samba de terreiro, nascido numa roda no fundo do quintal da casa da lendária Tia Ciata, estabeleceu o novo padrão que passou a vigorar nos carnavais do Rio. Após as marchinhas, o samba pedia passagem para não mais sair de cena.
Se o título de “o primeiro samba gravado” é controverso, a autoria, mais ainda. Em novembro de 1916, Donga (Ernesto dos Santos, 1890-1974) entrou com um pedido de registro na Biblioteca Nacional da partitura de “Pelo telefone”, classificado pelo próprio como “samba”. Mas, na roda de improviso na qual a composição nasceu, também teriam estado, entre outros, Germano Lopes, João da Baiana, Pixinguinha, João da Mata, Caninha, Hilário Jovino Ferreira, Mauro de Almeida, Sinhô e a própria Tia Ciata. Gente que, claro, não gostou da esperteza de Donga.
Desde agosto daquele ano, pelo menos, versos e improvisos misturando temas do folclore nordestino e menções às ações da polícia contra o jogo começavam a ganhar forma, a se popularizar entre os frequentadores dos pagodes na Praça Onze. Donga correu antes, justificando a ação com a máxima atribuída a Sinhô: “Música é como passarinho, de quem pegar primeiro.” Sob protestos de muitos, atendeu apenas a um deles, dividindo a parceria com Mauro de Almeida (1882-1956), o jornalista que ficara com a tarefa de consolidar a letra editada.
O telefone do samba começou a virar sucesso no carnaval de 1917 e continua tocando até hoje nos celulares, enquanto a polícia e o jogo clandestino comemoram um século de convivência.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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