Estatisticamente,
pequenas neuroses e bastante inveja se manifestam com mais
contundência quando há muitas pessoas envolvidas. E há muitas
pessoas envolvidas numa instituição popular e, como afirmam
deputados que odeiam as mulheres, falida: o casamento. Poucas
cerimônias contemplam tanta neurose num mesmo espaço quanto a de
casamento, e, durante a sua celebração, a inveja atinge o pico da
sua consumação. Portanto, cuidado com a lista de convidados. Nunca
inclua aquele amigo que acabou de se separar e odeia toda a
humanidade. Especialmente a humanidade do sexo feminino. Por quê?
1)
Quando ele recebe o convite, repara se a caligrafia impressa no
envelope é manual ou computadorizada, analisando-o contra a luz e
lentes. Para checar se a festa será econômica ou regada. Se o
convite chegar pelo correio, ele não vai. Nem se vier colado o selo
do papa. E quando ao lado do nome de um pai ou mãe aparece a
expressão in memoriam, ele automaticamente afirma para os íntimos:
“Puxa, o pessoal morre cedo nessa família.”
2)
Se o convite for acompanhado de um cartão com nomes de lojas, em que
estarão as listas de presente, o primeiro pensamento que lhe ocorre
é: “Que gente gananciosa, aproveitadora, casam-se só para ganhar
eletrodomésticos, talheres e cristais.” E se pergunta: “Qual
dessas lojas tem coisinhas mais em conta?”
3)
Ele fica em dúvida se vai até a loja e compra algo da lista, ou
repassa aquela sorveteira de cristal que nunca usou e ganhou no seu
terceiro casamento, de uma prima de quem ele nem vai com a cara, que
provavelmente ganhou no quarto casamento dela e lhe repassou o
chamado PDO (Presente de Ocasião), ou PP (Presente Passa).
4)
Ele tem que ir à loja, porque descobre que Lia, a sua diarista,
apelidada de “o fenômeno”, pois cozinha, lava e passa
fenomenalmente mal, quebrou a sorveteira de cristal que ele nunca
usou, já que toma sorvete no próprio copo, com a mesma colher, e o
guarda no freezer se sobrar; um dos motivos para as mulheres o
abandonarem. Ele se irrita com o fenomenal hábito de Lia quebrar
louças e deixá-las montadas, como um quebra-cabeça, para, quando
ele pegá-las, elas caírem da mão dele aos pedaços, e estar
garantido o direito razoável da dúvida. Nunca será provada a culpa
de quem quebrou aquela pobre louça, nem por escuta telefônica, nem
por interfônica, já que Lia passa o dia falando dele pelo interfone
com a síndica. Mal.
5)
Na loja, ele já chega perguntando: “O que tem de mais barato na
lista do casal tal?” E se não tem nada de barato na lista do
ambicioso e aproveitador casal, que nem se ama, desconfia, mas se
casa para vender os presentes e rachar os lucros, o conviva
mal-humorado e mal-amado compra aquele relógio de parede de cozinha
em promoção por R$ 19,90. Duvida?
6)
O amigo do noivo fica na igreja ao lado da família do noivo e
considera a família da noiva intrusa, vivenciando a Síndrome de
Montesco Versus Capuleto. Ele comenta que os padrinhos da sua ala
(noivo) estão infinitamente mais elegantes do que os padrinhos do
inimigo. E se algum dos Capuleto tiver um vulpes vulpes carnívoro,
canídeo, mais popularmente e carinhosamente conhecido como raposa,
pendurado no pescoço, ele não faz carinho no focinho do mamífero,
o pendurado, mas joga tinta em protesto contra o uso de pele animal.
7)
Ele acompanha a missa enumerando as maluquices dos tempos de solteiro
do amigo que deixa de ser solteiro. Ao ver a noiva entrar, aponta e
pergunta para o seu vizinho de banco: “Aquilo é barriga de chope
ou gravidez?” Quando o padre diz “prometa amá-lo na tristeza e
na alegria, na saúde e na doença, amando-o e respeitando-o todos os
dias de sua vida, até que a morte os separe”, o conviva, que já
foi abandonado por três mulheres, ri e comenta: “O padre não
conhece as estatísticas.” E completa: “Até o cartão de crédito
ser cancelado.” Quando o padre informa que ela não poderá
traí-lo, ele se empolga e diz, para a sua fileira: “Não ponho a
mão no fogo nem pela minha mãe.”
8)
Na comunhão, avisa aos avós da noiva: “Olha lá, não vão
engolir a hóstia. Tô de olho...” Na fila de cumprimentos, ele diz
para a noiva “casamento é duro”, “mata-se um leão a cada
manhã”, “você está linda”, “cuida bem dele” ou “se ele
não cuidar bem de você, me telefona”? E para o noivo, seu amigo,
diz “meus pêsames”, “viu a Salete, como está gostosa?” ou
“continua o pôquer às quintas-feiras”? Para a mãe da noiva,
diz “está linda a festa”, “está linda a igreja” ou pergunta
se tem outra filha sobrando. E para o pai da noiva, “se ele
aprontar, deixa comigo”, ou pergunta quanto pagou pela cerimônia e
a garrafa de Red Label.
9)
Durante a festa, ele organiza um pequeno exército para hostilizar os
convidados da noiva? Dá em cima da vocalista da banda, que é mulher
do tecladista, e pede todo o tempo “toca Raul!”? Sobe no palco,
pega o microfone e relembra velhas e boas do amigo, como quando eles
fizeram uma suruba no cursinho e a primeira vez em que foram para a
zona e fugiram sem pagar?
10)
Você sabe quem se mete no meio das mulheres para pegar o buquê? E
quem coloca dezenas de bem-casados nos bolsos? E quem se empolga, dá
em cima da tia avó bêbada, e a convida para conhecer a sua coleção
de louça quebrada?
11)
Na fila dos manobristas, um colega anuncia que acabou de se separar.
Sabe o que ele fala? “Que bom, aquela sem-vergonha dava pra todo
mundo do escritório.”
12)
Um outro amigo, também bêbado, diz que a mulher não veio, porque o
trocou por um surfista profissional de 19 anos. “Ela me disse que
eu nunca encontrarei ninguém melhor do que ela”, o amigo finaliza.
Sabe como ele o conforta? “Ainda bem, né?” E tem a cara de pau
de perguntar com quem ficará o apê, lembrando que o casal morava
numa coberturazinha de um prédio antigo, pé-direito alto, armário
embutido, banheira, com uma baita vista e condomínio barato. Afinal,
é perto do metrô.
Marcelo Rubens Paiva, in Crônicas para ler na escola
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