Um
anúncio declarou o término do banho de música, e a secretária
logo convocou os líderes dos esquadrões de reconhecimento e de
bombardeio para o tevê-fone. Seus rostos apareceram na tela, e eles
estavam praticamente idênticos: grandes olhos esbugalhados e
bochechas magras, arfando como se tivessem asma. A secretária ficou
estarrecida — ela nunca os vira tão abatidos.
Os
líderes dos esquadrões receberam ordens para começar a mobilização
e preparar-se para o combate. Eles respeitosamente aceitaram as
ordens, com seus rostos magros brilhando de lealdade. A secretária
estava extremamente satisfeita, seu desânimo e raiva foram
esquecidos em um instante.
— O
que você acha, Vossa Excelência? Eu nunca os vi tocados por uma
emoção tão profunda.
— Não
estou muito confiante… Particularmente, eu não consigo mais olhar
para as faces do meu povo.
— Vossa
Excelência, você é sensível demais. Não se preocupe, apenas
deixe nas mãos daqueles líderes leais, e tudo ficará bem.
Após
quatro ou cinco minutos, o sinal do tevê-fone tocou e os rostos dos
líderes de esquadrão apareceram mais uma vez na tela. A exaustão
em seus rostos era óbvia; como se eles tivessem envelhecido cinco ou
seis anos durante o curto tempo decorrido.
Os
líderes contaram que eles emitiram uma convocação de emergência
para os soldados. Então revelaram um fato chocante do que aconteceu
a seguir. —… Apesar dos espíritos inflamados dos soldados, eles
estavam todos com a saúde prejudicada, não havia um único
indivíduo apto ao combate.
A
princípio, a secretária não conseguiu acreditar. Mas após uma
série de questionamentos, ela não teve escolha a não ser aceitar a
realidade de má vontade — todos os soldados foram muito afetados
pelo banho de música: alguns enlouqueceram, ou quase; outros
perderam um quinto do seu peso corporal em apenas um dia ou então
seus órgãos vitais ficaram gravemente enfermos. O resultado foi um
estado de aniquilação completa do esquadrão de reconhecimento e o
de bombardeio (cujo dever era expulsar o inimigo e proteger a nação),
mesmo ainda não tendo entrado em combate. A Nação Miruki cometeu
suicídio. Em apenas três horas, o banho de música de 24 horas
regulamentado pela secretária causara uma devastação terrível à
nação. As únicas duas pessoas que ainda estavam confortavelmente
acomodados eram a madame Asari e o presidente Miruki, não obrigados
à exposição ao banho de música.
Durante
esse período, anúncios continuavam a surgir da Divisão de
Astronomia. Uma voz fraca informava sobre a aproximação do foguete
marciano.
— O
que aconteceu com essa nação?… — questionou o presidente
Miruki, que já não fazia mais nenhum esforço para esconder seu
desespero. Na tela, o líder de esquadrão respondeu.
— Se
as coisas continuarem como estão, o foguete marciano se infiltrará
sem dificuldades na Nação Miruki. Se nós tivéssemos pelo menos
cem soldados, nós poderíamos proteger a capital, pelo menos por um
tempo. Mesmo cinquenta soldados poderiam fazer uma diferença, mas
meu esquadrão atualmente está… Argghhh!
A
secretária, ao ouvir isso, sentiu sua sobrancelha tremer assim que
se lembrou de algo importante.
— A-há,
ainda temos o último recurso! — ela gritou.
— Último
recurso?
— Sim,
último recurso. Derrubar a porta do setor Alishia e assumir o
controle dos androides escondidos lá pelo professor Kohak. Em
seguida, dispô-los em combate.
— É
claro, os androides! — o presidente Miruki disse e bateu palmas.
Entretanto, o olhar de preocupação logo retornou ao seu rosto. —
Mas será que existe mesmo uma coleção deles, fortes, como os que
precisamos no setor Alishia? Além disso, aquela porta não abre de
jeito nenhum. Os boatos são de que explodirá se forçarmos a
entrada.
— Bem,
isso ainda não foi confirmado, mas também temo a possibilidade de
explodir. No entanto, irei abri-la, independentemente do que possa
acontecer.
— Independentemente
do que possa acontecer? — perguntou o líder de esquadrão, com as
sobrancelhas franzidas.
Naquele
momento, a secretária, tremendo de antecipação no meio do cômodo,
de súbito deu uma ordem resoluta.
— Eu
ordeno que o esquadrão de bombas vá para o setor Alishia e destrua
a porta de uma vez por todas. O esquadrão de reconhecimento deve
aguardar na reserva até segunda ordem.
Na
tela, as expressões dos dois líderes de esquadrão enrijeceram,
como se fossem peixes fora d’água. O presidente Miruki lamuriou e
se jogou no sofá de modo dramático.
De
volta ao Setor Alishia, Penn e Bara pareciam duas pessoas muito
diferentes, suas peles e ossos estavam semelhantes aos de múmias.
Penn
estava desenhando um diagrama de um aparelho incompreensível no seu
quadro de rabiscos, encharcado por uma baba constante que escorria
dos seus lábios. Bara — agora um homem — trabalhava ruidosamente
com a calculadora; empenhado em uma tarefa impensada de dividir um
número indivisível até vários bilhões de casas decimais; às
vezes, ele de repente chamava pelo nome da sua amada Annette, como se
estivesse delirando de febre.
O
esquadrão de bombas, de súbito, invadiu o setor Alishia (agora
parecendo com uma instituição de deficientes mentais), e o grande
grupo de soldados enfraquecidos e exaustos entrou. Assustados, Penn e
Bara se espremeram contra a parede, assim como morcegos.
A
partir do sinal do líder, eles começaram a atacar a décima porta.
Um trabalho que requeria uma única pessoa para realizá-lo, agora
exigia vinte pessoas. Eles morriam um após o outro, lamentavelmente
agarrados ao maçarico. Até o menor esforço colocava um fim nos
seus corações cansados.
No
cômodo, o humor da secretária se deteriorava conforme ela recebia
os relatos que chegavam a todo momento. Corpos continuavam a se
empilhar do lado de fora da décima sala, e após ouvir que a porta
não podia ser aberta e os cadáveres não podiam mais ser movidos de
lugar, ela deu a ordem para o esquadrão de reconhecimento avançar.
Mas
o que se podia esperar de soldados que se encontravam muito enfermos?
Mesmo
assim, finalmente conseguiram destruir a porta. Entretanto, uma vez
que os heróis do esquadrão de reconhecimento descobriram uma porta
reforçada atrás dela, eles caíram no chão como sacos de batata.
A
secretária organizou o exército nacional e o ordenou que fosse até
a décima porta. Em seguida, o esquadrão nacional secundário e o
terciário foram enviados para ajudar. Ainda assim, a entrada da
décima sala não se moveu.
O
hino nacional era tocado continuamente com o objetivo de estimular as
tropas, mas, ao exceder a dosagem ao máximo, só estimulou perdas de
consciência improdutivas. No final, os únicos membros da Nação
Miruki com qualquer força restante eram o presidente e a madame
Asari.
Ainda
assim, ela não deu qualquer sinal de enviar uma ordem cessando o
ataque.
Era
como se estivesse possuída.
Por
fim, os dois deixaram a sala e seguiram pelo corredor, em direção
ao setor Alishia. Pela primeira vez, foram batizados pelo banho de
música — uma sensação muito agradável. Mas, conforme o tempo
progredia, seus cérebros eram cozidos passo a passo pela música
acelerada; náusea, e outro sentimento desagradável, aos poucos se
infiltrou em ambos. Eles praticamente tropeçaram ao longo da entrada
do setor.
Ecoando
no local, podiam ser ouvidos gritos de gelar o sangue. Eles olharam
em volta, horrorizados, e encontraram pilhas e mais pilhas de corpos.
Mais ao fundo, a porta fechada parecia provocá-los.
— Vamos?
— perguntou o presidente Miruki.
— Certo,
aqui vamos nós — madame Asari respondeu.
— Vamos
derrubar essa porta.
Até
mesmo eles pareciam não entender o objetivo de abrir a porta.
Queimando com a paixão dos mártires, os últimos sobreviventes da
Nação Miruki correram impetuosamente em direção à porta de aço,
seguindo as ordens que deram a si mesmos.
Naquele
momento, havia uma sensação de que seus corpos estavam envoltos em
faíscas amarelas. Isso foi o fim. Eles perderam a consciência — e
em um piscar de olhos o lugar caiu em um silêncio sepulcral.
Mas
se alguém escutasse atentamente, poderia ouvir um som estranho, como
se algo estivesse se arrastando das profundezas da terra. Transmitido
através de paredes grossas, o som se intensificou devagar, como se
algo se erguesse do solo. Momentos depois, surgiu um som metálico, e
a porta de ferro do décimo andar — muito semelhante a uma pedra
inamovível — aos poucos começou a abrir, sem fazer barulho.
A
figura que calmamente apareceu do outro lado da porta aberta da
décima sala não era ninguém além do professor Kohak, um homem
dado como morto. Uma estranha armadura, similar a um besouro, cobria
seu corpo. Atrás dele, quinhentos androides, semelhantes à Annette,
acompanhavam-no em silêncio.
O
professor girou o primeiro marcador preso ao peito da sua armadura.
Uma fraca chama vermelha se arqueou entre seus ombros quando a
eletricidade foi descarregada; a distante melodia do banho de música
da nação, de repente, foi interrompida em um piscar de olhos.
Em
seguida, o professor ajustou o segundo marcador. O exército de
androides parados atrás dele começou a andar, passando por ele, em
uma linha bem formada em frente à sala. Dois deles ficaram para
trás, assumindo a posição de Penn e Bara. Cada androide tomou um
posto importante para substituir cada cidadão perdido da Nação
Miruki.
O
professor Kohak, então, ligou o terceiro marcador. Em resposta, uma
leve melodia começou a soar.
Um
pouco depois, o rosto de um androide apareceu no tevê-fone da sala.
Ele virou-se para o professor e começou a falar:
— A
música decretada por lei foi completamente destruída. Em seu lugar,
um banho de música para a humanidade começou.
O
professor assentiu em silêncio. O banho de música exaltava uma nova
humanidade! Seria possível que essas enormes pilhas de corpos
pudessem renascer em uma nova humanidade através do banho de música?
No
entanto, os cadáveres, agora frios como lápides, permaneceram
imóveis.
O
professor entrou na sala de comando e, usando o gigante painel de
controle dentro da sala, habilmente controlou os quinhentos androides
sem alma.
Um
barulho alto, esganiçado, soou quando um canhão elétrico, nas mãos
de um androide, disparou bombas em sucessão direcionadas ao foguete
marciano.
Centenas
de aeronaves de guerra subiram a superfície, em direção ao céu.
No subterrâneo, montanhas de bombas de artilharia, bombas de gás
venenoso e bombas desmagnetizantes foram fabricadas — tudo pelas
mãos dos androides.
O
professor ouvia tranquilamente, extasiado pela melodia desse novo
banho de música, o hino que exaltava a humanidade.
Uma
música para a humanidade, executada para os cidadãos da Nação
Miruki. Os cadáveres gelados? Ou estava sendo tocada para
transplantar almas humanas para os lindos androides do professor?
Não, era um canto fúnebre, tocada para o único humano
sobrevivente, o professor Kohak, que agora governava absoluto. Para
ele, um homem muito inteligente, reviver as pilhas de corpos da Nação
Miruki não era uma tarefa considerada difícil. Mas ele não tinha a
menor intenção de fazer isso. Cientistas são — no fim —
pessoas sem coração.
No
fundo, o professor Kohak fez tudo isso para construir sua tão
sonhada utopia, com ardor e convicção. Após se tornar o foco do
ardil da secretária, ele moldou um androide com sua aparência e
ordenou sua autodestruição na sala do presidente Miruki. Ele fez
isso por dois motivos: para dar início aos seus planos e para
acobertar a existência do androide que criara.
Imerso
no novo banho de música, um hino para a nova humanidade, a emergente
nação androide de Kohak deu o primeiro passo para começar um novo
mundo.
Juza Unno, in A última transmissão
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