O
cérebro humano é uma coisa tão complexa que nem o cérebro humano
é complexo o bastante para entendê-lo. Era só o que eu queria
contribuir para o desânimo geral destes dias, obrigado. Não, o
certo é que nunca entenderemos o nosso cérebro como nunca
entenderemos as últimas razões do Universo — ou, pensando bem, as
primeiras. Os limites da especulação sobre o fim e a origem da
matéria e os limites do pensamento sobre o pensamento são os
limites do conhecimento humano. O que não impede alguns malucos de
continuarem a tentar expandi-los.
No
campo do conhecimento do cérebro, ou do pensamento sobre o
pensamento, está havendo uma guerra de teorias parecida com uma
questão religiosa de alguns séculos atrás. Que, pelo menos para os
religiosos, continua. Discutia-se então a divisão entre corpo e
mente. Ou alma, ou que outro nome tivesse uma essência humana
separada da biológica. Na neurociência, chegou-se, não faz muito,
a um consenso mecanicista do cérebro como uma planta eletroquímica
e do seu funcionamento como os processos desta incrível usina,
complicada além da imaginação, mas não além da biologia. O que
desgostou os psicólogos mas parecia incontestável. Agora tem gente
dizendo que mente e cérebro são duas coisas completamente
diferentes. Usando uma analogia com que Santo Agostinho não contava,
no seu tempo, dizem que o cérebro é um computador e a mente é um
programa. Hardware e software, em português claro. Ou
seja, dois cérebros exatamente iguais podem ter mentes diferentes.
Há fantasmas, afinal, dentro da usina. A natureza dessa alma
reabilitada, claro, continua um mistério. Os limites do nosso
autoconhecimento só chegaram um pouco mais para lá.
Sempre
me pareceu enlouquecedor que os sonhos, justamente a oportunidade que
nosso cérebro tem de falar conosco a sós, sejam em código, em
linguagem simbólica, geralmente ininteligível. Não estamos nem
acordados para poder dizer “fala sério!”. A explicação seria
que sonhos são o cérebro brincando de mente, o hardware sem
um software para lhe dar coerência e objetivo exercitando
seus circuitos, apenas mantendo-se aceso. De vez em quando surge um
enredo, uma sequência, uma sugestão de sentido ou mensagem, e são
destes sonhos que a gente se lembra. Mas não querem dizer nada. São
como os rabiscos de um macaco, que de repente, sem querer, desenha
uma cara. Se alguém um dia nos explicar o cérebro, não será o
nosso cérebro.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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