Imagem:
Kfleen/fotolia
São
tão sofisticados os relógios de pulso anunciados pela televisão e
pelas revistas, que o pintor Oscar Tecídio resolveu dar-se ao gosto
de construir relógios de sol. E mais: a ensinar como se constroem.
Ter
relógio de sol em casa é ter máquina antiga, que nos aproxima dos
chineses e egípcios e nos confere dignidade intemporal.
Sentimos
fisicamente a presença do tempo pelo fugir da sombra, e assimilamos
o magno sentido da sombra, que é um estado de criação anterior à
luz, e portanto à vida. Previvemos a aventura humana ao sentir que
tudo se resume em jogo de luz e sombra, sobre a pedra indiferente,
que, mesmo dominada, nos domina.
Sonhei
com o relógio de sol e ele me conduziu até o limite em que, não
havendo tempo, não havia relógio, e o sol era uma utilidade
dispensável. Por que fomos utilizá-lo, meu Deus. Nasceram daí
muitas civilizações e dores de cabeça, que o relógio de sol
registra sem tomar partido. Porque o relógio de sol é belo em si, e
dispensa utilização — ensinou-me a ninfa que se banhava na
Cascatinha, antes do despertar dos guardas, e me confiou que fazia
isso há não sei quantos milênios. Por faceirice, usava relógio de
sol, feito de nuvem, e com ele mirava o céu mais longínquo, todo
feito de olhos em forma de flores, ou de flores em forma de olhos:
era a mesma coisa.
A
partir de então, deixei de usar relógio de pulso — para quê? se
o fundamento está do outro lado, que a ninfa me fazia entrever.
Oscar Tecídio, me faz depressa esse relógio de nuvens.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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