segunda-feira, 11 de maio de 2020

Medição do esqueleto da baleia

Em primeiro lugar, é minha vontade fazer-lhes uma revelação muito simples e específica, referente ao volume deste Leviatã em vida, cujo esqueleto estamos perto de examinar. Tal revelação poderá se mostrar útil aqui.
Segundo o cálculo meticuloso que realizei, em parte baseado na estimativa do Capitão Scoresby, de setenta toneladas para a maior baleia da Groenlândia, de sessenta pés de comprimento; segundo meu cálculo meticuloso, digo, um Cachalote de maior magnitude, de oitenta e cinco a noventa pés de comprimento, e pouco menos de quarenta pés em sua circunferência completa, tal baleia pesará no mínimo noventa toneladas; de modo que, supondo treze homens por tonelada, ele poderia superar consideravelmente o peso da população reunida de uma aldeia de mil e cem habitantes.
Não lhes parece que miolos, como bois atrelados, deviam ser conferidos a esse Leviatã para fazê-lo se mover ao toque da imaginação de qualquer homem da terra?
Já lhes tendo apresentado de várias maneiras o crânio, o espiráculo, a mandíbula, os dentes, a cauda, a fronte, as barbatanas e variadas outras partes, devo agora simplesmente assinalar o que houver de mais interessante no volume geral de seus ossos desobstruídos. Todavia, como o crânio colossal abrange uma parte tão grande da extensão total do esqueleto; como é, de longe, o ponto mais complicado; e como nada relativo ao crânio será repetido neste capítulo, vocês não devem deixar de tê-lo em mente, ou debaixo do braço, enquanto prosseguimos, caso contrário não serão capazes de obter uma noção completa da estrutura geral que estamos prestes a examinar.
Em comprimento, o esqueleto do Cachalote de Tranque media setenta e dois pés; de modo que, ao vivo, quando inteiramente revestido e estendido, devia medir pelo menos noventa pés; pois, na baleia, o esqueleto perde cerca de um quinto do comprimento em relação ao corpo vivo. Desses setenta e dois pés, seu crânio e sua mandíbula correspondiam a uns vinte pés, sobrando outros cinquenta pés de coluna. Atado a essa coluna, em quase um terço desse comprimento, encontra-se o enorme cesto circular de costelas que, outrora, encerraram seus órgãos vitais.
Para mim esse imenso baú de costelas de marfim, com a longa espinha ininterrupta alongando-se sem interrupção em uma linha reta, não pouco lembrava o casco embrionário de um grande navio recém-levado ao estaleiro, quando somente umas vinte de suas costelas de proa foram instaladas, e a quilha não passa ainda de um longo vigamento independente.
As costelas eram dez de cada lado. A primeira, a contar do pescoço, media quase seis pés de comprimento; a segunda, a terceira e a quarta eram sucessivamente mais compridas, até que se chegasse ao clímax da quinta, uma das costelas do meio, que media oito pés e algumas polegadas. Dali, as costelas restantes diminuíam, até a décima e última, de apenas cinco pés e algumas polegadas. Em espessura geral, todas correspondiam à sua extensão específica. As costelas do meio eram as mais arqueadas. Em algumas das Arsácidas usavam-nas como traves em que se apoiavam as passarelas por sobre pequenos córregos.
Pensando sobre tais costelas, não pude senão ser mais uma vez tocado pelo fato, tantas vezes repetido neste livro, de o esqueleto da baleia não ser de maneira alguma o molde de seu corpo. A maior das costelas de Tranque, uma do meio, ocupava a parte do peixe que, em vida, é a maior em profundidade. Ora, a maior profundidade do corpo encarnado dessa baleia específica deve ter sido de pelo menos dezesseis pés; ao passo que a costela correspondente media pouco mais de oito pés. Portanto, tal costela comunicava apenas meia ideia da grandeza própria àquela parte. Além disso, onde eu não via mais do que uma espinha nua, tudo aquilo outrora esteve envolto em toneladas adicionais de carne, músculos, sangue e entranhas. Isso sem contar que, em lugar das grandes nadadeiras, eu não vejo mais do que umas poucas articulações desordenadas; e em lugar da cauda majestosa e imponente, porém desprovida de ossos, um vazio absoluto!
Quão inútil e insensato é, pois, pensei eu, para um homem acanhado e desconhecedor do mundo tentar compreender essa baleia assombrosa, limitando-se a contemplar seu esqueleto morto, diminuído e estirado naquele bosque tranquilo! Não. Apenas em meio aos perigos mais fulminantes; apenas quando dentro dos redemoinhos de sua cauda feroz; apenas no mar profundo e sem limites pode a baleia encarnada revelar-se viva e verdadeiramente.
Sim, a espinha. Quanto a essa, o melhor modo de examiná-la é, com uma grua, empilhar-lhe os ossos até o alto. Tarefa nem um pouco rápida. Mas, uma vez encerrada, fica muito parecida com o Pilar de Pompeu.
São quarenta e tantas vértebras no total, que no esqueleto não estão encaixadas umas às outras. Elas estão em sua maioria dispostas como grandes blocos nodosos de um pináculo Gótico, formando fiadas sólidas de pesada alvenaria. A maior, intermediária, tem de largura pouco menos de três pés, e de profundidade, mais de quatro. A menor, onde a espinha segue afilando em direção à cauda, mede apenas duas polegadas de largura e assemelha-se a uma bola de bilhar branca. Contaram-me que existiam outras menores, mas foram perdidas por uns canibaizinhos travessos, os filhos do sacerdote, que as haviam roubado para brincar de bolinha de gude. Assim vemos como mesmo a espinha do maior dos seres vivos se apequena até se tornar afinal um simples jogo infantil.
Herman Melville, in Moby Dick

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