Antes
da Torre de Babel não havia intérpretes porque todos entendiam o
que todos falavam. Os intérpretes se tornaram necessários depois da
confusão de línguas. “Interpretar” é dizer em linguagem que se
entende aquilo que uma pessoa disse numa linguagem que não se
entende. Os presidentes, embaixadores e reitores se valem de
intérpretes. Acho que os intérpretes, quando os presidentes e
reitores dizem besteiras, deveriam mentir, para não passar vergonha.
Já vi intérpretes envergonhados. A interpretação começa com esta
pergunta: “O que é que ele – ou ela – quis dizer?”. Versos
da Cecília: “E no fundo dessa fria luz marinha nadam meus olhos,
baços peixes à procura de mim mesma”. O que é que ela queria
dizer? Para se fazer essa pergunta, é preciso se admitir que ela, a
poeta, quis dizer algo mas não conseguiu. A poeta sofria de
deficiência linguística. Mas o fato é que um poeta nunca “quer
dizer algo”. O que ele diz é o que ele quer dizer. A resposta a um
poema não é uma interpretação, é outro poema.
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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