terça-feira, 19 de maio de 2020

Dicionário


Imagine que os gramáticos se reunissem num congresso e resolvessem fazer uma reforma no Aurélio à semelhança do gramático Castro Lopes, que quis inventar a palavra “balípodo” para substituir o anglicismo “futebol”. E assim, convencidos de que tinham poderes para inventar palavras, dissessem que, dali para frente, haveria uma única palavra para designar tatus e borboletas. Assim, se alguém quisesse falar sobre “tatus”, escreveria “tatus”: vi um tatu cavando a terra.... E se alguém quisesse falar sobre borboletas, escreveria “tatus”: vi um tatu voando de flor em flor. Vão me dizer que isso é doidice. Que os gramáticos são pessoas de juízo. Digo que não são. Eles decretam o uso de uma única palavra para designar coisas totalmente diferentes. Aboliram “estória”. Só é português a palavra “história”. Mas “estória” e “história” são coisas totalmente distintas, são entidades de mundos diferentes. Guimarães Rosa é taxativo: Estória não quer ser história. Estória é contra a história. Se o revisor obedecesse o Aurélio, o texto de Guimarães Rosa ficaria: A história não quer ser história. A história é contra a história. Alguém está louco. Digo que é o dicionário.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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