Moçambique
e Brasil são países que encerram dentro de si contrastes profundos.
Não se trata apenas de distanciamento de níveis de riqueza, mas de
culturas, de universos, de discursos tão diversos que não parecem
caber numa mesma identidade nacional. A escrita de João Guimarães
Rosa é uma espécie de viagem em cima dessa linha de costura. O que
ele busca na escrita: um retrato do Brasil? Não. O que ele oferece é
um modo de inventar o Brasil.
Com
Mário de Andrade, João Guimarães Rosa é um dos fundadores da
identidade territorial e cultural da nação brasileira. Ao
contrariar uma certa ideia de modernização, Rosa acabou criando os
pilares de uma outra modernidade estilística no Brasil. Ele fez isso
numa altura em que a literatura brasileira estava prisioneira de
modelos provincianos, demasiado próxima do padrão de literatura
portuguesa, espanhola e francesa. De uma similar prisão ansiávamos,
também nós, por nos libertar.
O
que Rosa instaura é o narrador como mediador de mundos. Riobaldo é
uma espécie de contrabandista entre a cultura urbana e letrada e a
cultura sertaneja e oral. Esse é o desafio que enfrenta não apenas
o Brasil, mas também Moçambique. Mais que um ponto de charneira
necessita-se hoje de um médium, alguém que usa poderes que não
provêm da ciência nem da técnica para colocar esses universos em
conexão. Necessita-se da ligação com aquilo que João Guimarães
Rosa chama de “os do lado de lá”. Esse lado está dentro de cada
um de nós. Esse lado de lá é, numa palavra, a oralidade.
Mia
Couto, in
Encontros e encantos — Guimarães Rosa
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