A
noiva entrou na igreja. Os convidados se ergueram.
Todos
queriam vê-la. A maioria que estava ali não acreditava que ela
estivesse se casando. Todos a consideravam solteira. Irreparável.
Não porque não tivesse encontrado partido.
Ao
contrário, tivera muitos. Recusara todos.
Por
que recusava? Perguntavam. Por quê?
O
órgão tocava a Marcha nupcial. Ela caminhava de braços
dados com o pai. Ou seria o padrasto? Não se sabia, apenas se
comentava. Eles tinham chegado há anos e se instalado na casa de
paredes rubras, estilo vila italiana. Enorme. Nunca contaram nada da
vida. A ninguém. Seriam casados? Ele tão mais velho do que a
considerada mãe. Carioca de olhar forte e atrevido. Irônica, unhas
pintadas com cores brilhantes e o sotaque arrastado. Puxando no S
sibilante.
O
homem que levava a trágica notícia deixou sua casa.
Exatamente
quando a noiva entrou na igreja e começou sua caminhada em direção
ao altar. O homem que levava a trágica notícia sabia que não
precisava esperar. Chegaria no momento exato. Fizera o trajeto muitas
vezes. Cronometrara o percurso. Como os bandidos de filmes que
planejam um grande golpe. Ele tinha visto muitas vezes o filme de
Stanley Kubrick, O Grande Golpe. The killing.
Ela,
com a cauda do vestido rastejando. Caminhava compassada, naquele
estranho passo ritmado pela Marcha nupcial. Caminhava,
conduzida pelo pai. Seria o pai? E a mãe, de que cor pintara as
unhas nesse dia?
Não
se podia ver as mãos da mulher que sorria. Enigmaticamente. Todos
consideravam o sorriso dessa mulher um mistério. Sua vida, uma
incógnita. Sabia-se apenas que gostava de dormir. Até tarde. Muito
tarde. E que odiava barulho na casa, enquanto não despertasse.
O
homem que levava a trágica notícia disparava pelas ruas.
Um
pouco inseguro.
Teria
calculado com precisão. O trajeto?
Algumas
mulheres choravam. Discretamente. Não muito, o necessário em
casamentos. A mãe, uma delas. Por que a mãe estaria chorando?
O
homem que levava a trágica notícia estava parado. Num sinal.
Olhava
o relógio.
O
noivo desceu alguns degraus para receber, sua futura mulher,
companheira para a vida e a morte. Na dor e na alegria. Ele tremia um
pouco. Olhou para as mãos da sogra. De que cor ela teria pintado? As
unhas.
E
seria verdade aquilo que diziam? Ela teria posado nua. Para uma
revista? Ficou a imaginá-la nua. Tinha coxas grossas e nenhuma
celulite. Entrara, inadvertidamente, no quarto dela. Um dia. Ela, de
combinação rosa. De cetim. Sua pele era lisa. Devia ser macia.
Desejava a mãe ou a filha?
A
Marcha nupcial ecoava na igreja iluminada. Decorada com flores
e velas e tapetes. A noiva não desejara música moderna. Pedira
Mahler, não foi possível. Por quê?
O
homem que levava a trágica notícia acelerava. O carro.
Ansioso,
desconfiado de si mesmo. Suponha que soubesse o mistério. Da vida da
mulher que pintava as unhas, gostava de dormir, queria ter um filho e
exibia um sorriso amplo. Escancarado, prometedor. Prometedor do quê?
Um
guarda mandou que ele encostasse.
Ele
se desesperou.
O
guarda se aproximou.
Ele
explicou: Preciso levar a trágica notícia. A um casamento. Qual?
Perguntou o guarda. Mais curioso do que desconfiado. Achando que o
homem estava mentindo. Ele contou.
O
guarda sacudiu a cabeça.
Fora
de si gritou: “Vamos logo, temos de ir. Te acompanho, abro
caminho”. Tocaram pela avenida. Sem respeitar sinais. Quase
atropelando pessoas descuidadas. Conduzindo velozmente. A trágica
notícia.
O
noivo e a noiva subiram para o altar. Contemplaram o padre. O padre
olhou para a mãe, ou aquela que se supunha fosse a mãe. A mulher
fez que sim com a cabeça. E se ele, noivo, tivesse posto? As mãos
nas coxas delas. Naquele dia. A mãe repetiu o sim. Com a cabeça.
Por
que teria feito sim? Dependia dela o quê? Qual o consentimento que o
padre buscava? O pai não percebeu. Diziam que ele nunca percebia
nada. Sua mulher era impenetrável, ambígua.
O
carro parou na porta da igreja. O homem que levava a trágica notícia
entrou. Correndo pela nave.
Pisando
o mesmo tapete onde minutos antes a noiva tinha passado com o pai. A
mãe, vendo o homem que trazia a trágica notícia chegar apressado,
compreendeu. Será que ela o conhecia? Percebeu também que talvez
pudesse. Comprar agora aquela casinha com que sonhava tanto, cercada
por jardins.
O
homem chegou ao noivo, cochichou. O noivo empalideceu. Desmaiou.
Correram os homens e um médico (“Há um médico nesta igreja?”
Havia).
O
homem da trágica notícia cochichou. Ao ouvido do padre. Que
empalideceu e se retirou. Para a sacristia. Irritado, surpreso,
temendo a Deus, tirou os paramentos. Mandou que apagassem luzes. E
velas. Retirassem as flores e jogassem. No meio da praça. Mandou que
todos se retirassem. O órgão emudecesse. Sua igreja jamais passara
por tal situação.
O
homem que trouxera a trágica notícia abraçou a mãe. E por que
abraçava? Quem era ela?
E
olhou-a nos olhos.
E
ela soube. Sorriu e cuspiu sobre o noivo.
A
noiva, paralisada. Ficou. Sozinha no escuro da igreja.
Deus
também tinha abandonado. O sacrário.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras proibidas
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