— Não
sei o que tem essa mulher, que cada dia muda de cara — suspirou o
sr. Ernesto. — Nem tenho mais certeza se sou casado com ela, pois
suas feições são irreconhecíveis, e me invade a sensação de
conviver com muitas mulheres diferentes.
Efetivamente,
d. Ormélia adquirira a propriedade de ostentar a cada manhã um
rosto bem diverso do seu, original. O resto do corpo continuava o
mesmo.
O
sr. Ernesto era virtuoso, e não queria trair a esposa, dentro de
casa, com a própria esposa. Passou a olhá-la só do pescoço para
baixo. E d. Ormélia mudando e nunca se repetindo.
A
reputação do sr. Ernesto, não obstante sua linha moral inatacável,
ficou abalada. O porteiro, o faxineiro, a empregada contavam que ele
variava de mulheres no próprio lar, enquanto sua esposa sumira de
vez.
Um
dia, ele ficou acordado até o amanhecer, para descobrir o mistério
das transformações. Viu que d. Ormélia tirava do armário uma
cabeça nova e a trocava pela sua, que ela guardava no lugar da
outra. O armário estava cheio de cabeças femininas.
O
sr. Ernesto não quis acreditar no que via, e precipitou-se para
arrancar do armário aquele arsenal de cabeças, mas d. Ormélia o
deteve, sorrindo, com o dedo nos lábios, e sussurrou-lhe:
— Souvent
femme varie.
A
partir daí o sr. Ernesto conheceu em casa os prazeres da variedade
em combinação com a fidelidade, pouco se lhe dando a maledicência
de ignorantes.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
Nenhum comentário:
Postar um comentário