Murilo
Miranda:
Estou
muito agradecido a você, aos membros do júri que me conferiu o
prêmio Lima Barreto, aos colaboradores que, no último número da
Revista, contribuíram para melhorar a situação dum romance
que nasceu infeliz e arrasta nas prateleiras das livrarias uma
existência bastante precária. Se, depois de tantos trabalhos e
tantos artigos, ele continuar inédito, a culpa não terá sido dos
generosos amigos que tencionaram publicá-lo: você, Aníbal Machado,
Álvaro Moreyra, Mário de Andrade, Rubem Braga, Peregrino Junior,
Tavares Bastos, Oswald de Andrade, Emil Farhat, Jorge Amado, Aydano
do Couto Ferraz, Bezerra de Freitas, João da Silva Mello, José
Bezerra Gomes, Paulo Saraiva, Portinari, Adami e o misterioso Nicolau
Montezuma, o estranho Nicolau Montezuma, que não é Nicolau nem
Montezuma e se manifestou há tempo, antes desta confusão em que
vivemos.
Eu
pretendia entender-me pessoalmente com os escritores e os pintores
que olharam com otimismo excessivo o meu romance magro e a minha
figura física, magra também. Não o fiz por dois motivos.
Primeiramente achei que, tendo sido públicas as manifestações de
simpatia, os agradecimentos deviam também ser impressos. Em segundo
lugar pareceu-me redundância escrever dezoito cartas diferentes para
dizer a mesma coisa. Eu encontraria nelas uma dupla dificuldade: não
poderia aceitar a opinião dos meus amigos, sob pena de mostrar-me
presunçoso; não me seria possível discordar deles abertamente,
porque isto seria impertinência. O meu assunto ficaria muito
reduzido.
É
melhor fazer uma carta só, uma carta que explique em ligeiras
palavras o procedimento de alguns homens que, nos tempos que correm,
são verdadeiras preciosidades. Tenho a certeza de que todos aí
estão de acordo comigo.
Confesso
que, nesse negócio de concursos literários, não se leva em conta
apenas o valor das obras que se apresentam. Talvez o público não
ache razoável que seja assim, mas é. Há sempre fatos importantes
que a plateia ignora e que influem no julgamento. O livro considerado
bom por uma instituição é recusado por outra — e ficamos sabendo
que a vitória de qualquer deles é duvidosa, que o júri que o
escolheu teve o intuito, não de formular uma sentença, mas de
oferecer ao escritor desconhecido um estímulo necessário.
A
decisão refere-se menos ao trabalho executado que a trabalhos
futuros. E como examinar coisas possíveis é mais difícil que
analisar coisas realizadas, explica-se perfeitamente que haja
divergência entre os pareceres de várias comissões.
Esse
caso do prêmio Lima Barreto é diferente dos outros. Parece que não
houve precisamente a intenção de julgar um romance nem de saber se
o autor dele poderia fazer trabalho menos mau.
Estou
convencido de que me quiseram dar uma compensação. Aníbal Machado,
Álvaro Moreyra e Mário de Andrade desfizeram agravos e combateram
moinhos reais. Eu estava sendo triturado por um desses moinhos. E a
solidariedade de alguns intelectuais brasileiros teve para mim
significação extraordinária.
Refletindo
bem, penso que o prêmio não foi concedido a mim, mas a várias
centenas de criaturas que se achavam como eu. Não se tratou de
literatura, evidentemente. O que não quer dizer que, achando a
decisão injusta, como acho, eu não a considere um ato de coragem
indispensável num momento de covardia generalizada, ato imensamente
útil, se não a mim, pelo menos a outros, que poderão respirar com
alívio e dizer o que pensam.
Abraços
de
GRACILIANO
RAMOS
Rio,
11 de junho de 1937
Graciliano
Ramos, in Garranchos
Nenhum comentário:
Postar um comentário