segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Ambiguidade do sofrimento

Não há ninguém que, após ter triunfado sobre a dor ou sobre a doença, não experimente, no fundo da alma, um remorso - não importa o quão vago ou pálido. Ainda que desejosos de se restabelecer, aqueles que sofrem longa e intensamente sentem-se sempre levados a encarar sua cura como uma perda. Quando a dor torna-se parte integral do ser, deixá-la para trás suscita necessariamente o pesar, como por algo desaparecido. O que tenho de melhor em mim, sendo tudo o que perdi, devo ao sofrimento. Assim sendo, não se pode amá-lo ou condená-lo. Tenho por ele um sentimento particular, difícil de definir, mas que tem o charme e os atrativos de uma luz crepuscular. A beatitude no sofrimento não passa de ilusão, pois ela exigiria de se reconciliar com a fatalidade da dor, para evitar a destruição. Nesta beatitude ilusória jazem os últimos recursos da vida. A única concessão que se pode fazer ao sofrimento vem do remorso com a cura, mas, vago e difuso demais, este não pode cristalizar-se na consciência. Toda dor que se apaga provoca um sentimento de perturbação, como se o retorno ao equilíbrio impedisse para sempre o acesso às regiões torturantes e enfeitiçadas, das quais não se pode partir sem um olhar para trás. O sofrimento não tendo nos revelado a beleza, nenhuma outra luz pode mais nos seduzir. Somos ainda atraídos pelas trevas do sofrimento?
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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