Não
há ninguém que, após ter triunfado sobre a dor ou sobre a doença,
não experimente, no fundo da alma, um remorso - não importa o quão
vago ou pálido. Ainda que desejosos de se restabelecer, aqueles que
sofrem longa e intensamente sentem-se sempre levados a encarar sua
cura como uma perda. Quando a dor torna-se parte integral do ser,
deixá-la para trás suscita necessariamente o pesar, como por algo
desaparecido. O que tenho de melhor em mim, sendo tudo o que perdi,
devo ao sofrimento. Assim sendo, não se pode amá-lo ou condená-lo.
Tenho por ele um sentimento particular, difícil de definir, mas que
tem o charme e os atrativos de uma luz crepuscular. A beatitude no
sofrimento não passa de ilusão, pois ela exigiria de se reconciliar
com a fatalidade da dor, para evitar a destruição. Nesta beatitude
ilusória jazem os últimos recursos da vida. A única concessão que
se pode fazer ao sofrimento vem do remorso com a cura, mas, vago e
difuso demais, este não pode cristalizar-se na consciência. Toda
dor que se apaga provoca um sentimento de perturbação, como se o
retorno ao equilíbrio impedisse para sempre o acesso às regiões
torturantes e enfeitiçadas, das quais não se pode partir sem um
olhar para trás. O sofrimento não tendo nos revelado a beleza,
nenhuma outra luz pode mais nos seduzir. Somos ainda atraídos pelas
trevas do sofrimento?
Emil
Cioran, in Nos cumes do desespero
Nenhum comentário:
Postar um comentário