terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A bifurcação terrível


Foi-me enviada a seguinte pergunta: “Suponha que sua filha grávida de três meses vem lhe mostrar um ultrassom do feto, que mostra uma hidrocefalia. Qual o conselho que você daria a ela?”
Você está caminhando por um bosque. A sede é grande. Precisa beber água. Você chega a uma bifurcação. Na trilha da direita está escrito: “Caminho fácil. Ao final, uma mina”. Na trilha da esquerda está escrito: “Caminho difícil. Ao final, uma pedra”. Você não precisa tomar uma decisão; o caminho a ser tomado é óbvio. Você toma o caminho da direita. Segunda situação: você chega à bifurcação e no caminho da direita está escrito: “Caminho muito difícil. Ao final, uma mina”. À esquerda: “Caminho fácil. Ao final, uma pedra”. A situação se complica; haverá dores no caminho. Mas, no final do caminho difícil você encontrará o que você deseja: água. Você não será tolo de escolher o caminho fácil e chegar à pedra. Terceira situação: você chega à bifurcação e vê escrito, tanto no caminho da direita quanto no da esquerda: “Caminho difícil”. Mas um malvado apagou o que estava embaixo. Assim, você não sabe o que vai encontrar no final. E você não pode voltar. Você sabe que ambos os caminhos estão cheios de dor e o final é incerto e desconhecido. Você terá que decidir sem certezas, entre uma dor e outra, fazendo uma aposta.
A vida é assim. Seria bom se as alternativas com que nos defrontamos fossem sempre entre o certo e o errado, o bom e o mau. Seria fácil viver. Mas há situações que nos colocam diante de alternativas igualmente dolorosas e de resultado incerto.
Hidrocefalia é uma anomalia caracterizada pelo acúmulo anormal de líquido na caixa craniana e pela consequente compressão do cérebro e possível crescimento da cabeça, com uma série de consequências indesejáveis. No seu limite terrível essa pergunta pode significar: “Você aconselharia sua filha a abortar?”
Para começar, digo que não dou conselhos quando o que está em jogo são situações existenciais. Posso dar conselhos sobre mecânicos, itinerários de viagem, cães, maneiras de fazer sopa e livros. Mas, quando o que está em jogo é a vida e a consciência de uma outra pessoa – nesse caso minha filha –, a única coisa que é ético fazer é dar-lhe tranquilidade e ajudá-la a ver com clareza, para que sua decisão não seja fruto de uma alma agitada e de pensamentos confusos. Será ela que deverá tomar a decisão. Conversaria com ela para ajudá-la a ver com clareza. Ver, em primeiro lugar, o que significa essa anomalia. Como não sou médico, procuraria um médico amigo que nos esclarecesse e nos informasse sobre o prognóstico, levando em consideração os recursos médicos atuais. Ver, em segundo lugar, as implicações futuras sobre a vida da criança. Ver, em terceiro lugar, as consequências emocionais e morais de um aborto, se essa possibilidade vier a ser levantada.
Há pessoas que já têm respostas prontas. Elas acreditam em princípios fixos e os seguem. Se se acredita que toda vida – normal ou anormal – é resultado da vontade de Deus, não existe decisão a ser tomada porque a decisão já está tomada. Mas, se não se acredita assim, se se acredita que as anomalias são acidentes que nada têm a ver com a vontade de Deus, encontramo-nos diante da encruzilhada terrível: é preciso decidir, sabendo que qualquer caminho será doloroso e sem segurança sobre o final. Para ser honesto, esta é a condição geral da vida: nunca se sabe. “Se é bom ou se é mau, só o futuro o dirá.”
Todos os que esperam um filho desejam que ele seja saudável e perfeito. Quando se sabe que há alguma coisa errada com o nenezinho, vem a tristeza. Eu, como pai, estaria triste pelo nenezinho, pela minha filha e por mim. Terminaria a conversa dizendo que, qualquer que for a decisão dela, eu estarei sempre ao seu lado.
Rubem Alves, in Se eu pudesse viver minha vida novamente

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