Foi-me
enviada a seguinte pergunta: “Suponha que sua filha grávida de
três meses vem lhe mostrar um ultrassom do feto, que mostra uma
hidrocefalia. Qual o conselho que você daria a ela?”
Você
está caminhando por um bosque. A sede é grande. Precisa beber água.
Você chega a uma bifurcação. Na trilha da direita está escrito:
“Caminho fácil. Ao final, uma mina”. Na trilha da esquerda está
escrito: “Caminho difícil. Ao final, uma pedra”. Você não
precisa tomar uma decisão; o caminho a ser tomado é óbvio. Você
toma o caminho da direita. Segunda situação: você chega à
bifurcação e no caminho da direita está escrito: “Caminho muito
difícil. Ao final, uma mina”. À esquerda: “Caminho fácil. Ao
final, uma pedra”. A situação se complica; haverá dores no
caminho. Mas, no final do caminho difícil você encontrará o que
você deseja: água. Você não será tolo de escolher o caminho
fácil e chegar à pedra. Terceira situação: você chega à
bifurcação e vê escrito, tanto no caminho da direita quanto no da
esquerda: “Caminho difícil”. Mas um malvado apagou o que estava
embaixo. Assim, você não sabe o que vai encontrar no final. E você
não pode voltar. Você sabe que ambos os caminhos estão cheios de
dor e o final é incerto e desconhecido. Você terá que decidir sem
certezas, entre uma dor e outra, fazendo uma aposta.
A
vida é assim. Seria bom se as alternativas com que nos defrontamos
fossem sempre entre o certo e o errado, o bom e o mau. Seria fácil
viver. Mas há situações que nos colocam diante de alternativas
igualmente dolorosas e de resultado incerto.
Hidrocefalia
é uma anomalia caracterizada pelo acúmulo anormal de líquido na
caixa craniana e pela consequente compressão do cérebro e possível
crescimento da cabeça, com uma série de consequências
indesejáveis. No seu limite terrível essa pergunta pode significar:
“Você aconselharia sua filha a abortar?”
Para
começar, digo que não dou conselhos quando o que está em jogo são
situações existenciais. Posso dar conselhos sobre mecânicos,
itinerários de viagem, cães, maneiras de fazer sopa e livros. Mas,
quando o que está em jogo é a vida e a consciência de uma outra
pessoa – nesse caso minha filha –, a única coisa que é ético
fazer é dar-lhe tranquilidade e ajudá-la a ver com clareza, para
que sua decisão não seja fruto de uma alma agitada e de pensamentos
confusos. Será ela que deverá tomar a decisão. Conversaria com ela
para ajudá-la a ver com clareza. Ver, em primeiro lugar, o que
significa essa anomalia. Como não sou médico, procuraria um médico
amigo que nos esclarecesse e nos informasse sobre o prognóstico,
levando em consideração os recursos médicos atuais. Ver, em
segundo lugar, as implicações futuras sobre a vida da criança.
Ver, em terceiro lugar, as consequências emocionais e morais de um
aborto, se essa possibilidade vier a ser levantada.
Há
pessoas que já têm respostas prontas. Elas acreditam em princípios
fixos e os seguem. Se se acredita que toda vida – normal ou anormal
– é resultado da vontade de Deus, não existe decisão a ser
tomada porque a decisão já está tomada. Mas, se não se acredita
assim, se se acredita que as anomalias são acidentes que nada têm a
ver com a vontade de Deus, encontramo-nos diante da encruzilhada
terrível: é preciso decidir, sabendo que qualquer caminho será
doloroso e sem segurança sobre o final. Para ser honesto, esta é a
condição geral da vida: nunca se sabe. “Se é bom ou se é mau,
só o futuro o dirá.”
Todos
os que esperam um filho desejam que ele seja saudável e perfeito.
Quando se sabe que há alguma coisa errada com o nenezinho, vem a
tristeza. Eu, como pai, estaria triste pelo nenezinho, pela minha
filha e por mim. Terminaria a conversa dizendo que, qualquer que for
a decisão dela, eu estarei sempre ao seu lado.
Rubem
Alves, in Se eu pudesse viver minha vida novamente
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