quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Garranchos [IV]

Voltamos a encarar de novo o grave mal que ameaça derruir a moral do povo: o analfabetismo. A ignorância arrasta, a passos gigantescos, a multidão sertaneja ao abismo tenebroso do crime!
Tinge ainda a terra do Candará o sangue da criança inocente que tombou aos golpes fatais de enxada que seu tio e companheiro de travessuras infantis, com idade de pouco mais de dois lustros, lhe projeta no crânio.
Enchem ainda o coração do povo de Vitória os gritos lancinantes do rapazelho que expira com a garganta entre as garras ferozes de um soldado de polícia na praça pública, à luz meridiana.
Não se apagou ainda da retina dos habitantes do sítio Lagoa Mourão a visão trágica e canibalesca de uma cena em que três indivíduos apunhalam um homem, por motivos fúteis, por cachaçadas talvez!...
São desta natureza os dramas terríveis que nos oferece a selvageria do meio em que vivemos. E tudo por quê? Porque, em vez de uma carta de ABC, se dá ao povo a carta de baralho; porque, em vez de um ensinamento são, que lhe ilumine o cérebro, se lhe deita na boca o copo de aguardente que lhe devasta o organismo e relaxa o caráter!
Urge, pois, que se ponha termo a tamanhas misérias.
Como fazê-lo?
Projetando na treva que há na alma do analfabeto o clarão radioso que vem do livro! Não serão acaso tantos crimes o resultado da ignorância que caracteriza o povo? Precisamos abrir escolas. E é na palavra autorizada de Guerra Junqueiro que vamos achar este conceito de suprema verdade: “Alongar a escola é diminuir o cárcere.”
Graciliano Ramos, in Garranchos

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