segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Frei Antônio das Chagas no folclore brasileiro

Antônio da Fonseca Soares nasceu na Vila de Vidigueira, Alentejo, a 25 de junho de 1631 e faleceu no convento franciscano de Varatojo, a 20 de outubro de 1682. Foi capitão de cavalos, soldado valente, batendo-se na campanha da Independência de Portugal. Esteve na Bahia. Poeta, espadachim, elegante. Abandonou as aventuras para ser frade, professando no Convento de São Francisco de Évora, 19 de maio de 1663. Missionário apostólico. Instituidor do Seminário de Varatojo, no convento fundado pelo Rei D. Afonso V. É um clássico do idioma. Sua bibliografia é clara, viva, cativante, num estilo de equilíbrio e pureza onde a nobre simplicidade não oculta a força original de um espírito lúcido e ágil.
Numa sua Carta a um amigo, reunida a outros trabalhos e publicada em 1687, Lisboa, oficina de Miguel Deslandes, há um mote em redondilha que o frade glosa em quatro décimas. Assim diz a redondilha:
Grande desgraça é nascer
Porque se segue o pecar,
Depois de pecar morrer,
Depois de morrer penar.

Dona Carolina Michaelis de Vasconcelos encontrou a redondilha de Frei Antônio das Chagas no anonimato das trovas populares portuguesas. As modificações indispensáveis faziam ao sabor do entendimento lírico. Rodney Gallo reproduziu-a:

Triste sorte é a nossa;
Depois de nascer, pecar,
Depois de pecar, morrer,
Depois de morrer, penar.

Essa quadra deve ter vindo para o Brasil, impressionando a inspiração dos improvisadores da cantoria sertaneja. Leonardo Mota (1891-1948) registrou uma oitava do cantador Anselmo Vieira de Sousa, reproduzindo-a no seu Cantadores (1921). Identifiquei-a, divulgando a origem no Vaqueiros e cantadores (1939). A redondilha de Frei Antônio das Chagas circula na legitimidade das cores brasileiras, ampliada na lógica instintiva do velho cantador analfabeto do Ceará. O poeta, que recusou a mitra episcopal Lamego, não poderia prever a viagem surpreendente de seu verso, provocando uma composição autêntica na literatura oral do Brasil.

Triste sina de quem nasce
porque depois de nascer,
não escapa de mamar,
depois de mamar, viver.
Depois de viver, pecar,
depois de pecar, morrer;
Depois do corpo pecar
A alma é quem vai sofrer!
Luís da Câmara Cascudo, in Coisas que o povo diz

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