— Quer
esse menininho para o senhor? Pode levar.
Aconteceu
no Rio, como acontecem tantas coisas. O rapaz entrou no café da rua
Luís de Camões e começou a oferecer o filho de seis meses. Em voz
baixa, ao pé do ouvido, como esses vendedores clandestinos que nos
propõem um relógio submersível. Com esta diferença: era dado, de
presente. Uns não o levaram a sério, outros não acharam
interessante a doação. Que iriam fazer com aquela coisinha
exigente, boca aberta para mamar e devorar a escassa comida, corpo a
vestir, pés a calçar, e mais dentista e médico e farmácia e
colégio e tudo que custa um novo ser, em dinheiro e aflição?
— Fique
com ele. É muito bonzinho, não chora nem reclama. Não lhe cobro
nada…
Podia
ser que fizesse aquilo para o bem do menino, um desses atos de
renúncia que significam amor absoluto. O tom era sério, e a cara,
angustiada. O rapaz era pobre, visivelmente. Mas todos ali o eram
também, em graus diferentes. E a ninguém apetecia ganhar um bebê,
ou, senão, quem nutria esse desejo o sofreava. Mesmo sem jamais ter
folheado o Código Penal, toda gente sabe que carregar com filho dos
outros dá cadeia, muita.
Mas
o pai insistia, com bons modos e boas razões: desempregado,
abandonado pela mulher. O bebê, de olhinhos tranquilos, olhava sem
reprovação para tudo. De fato, não era de reclamar, parecia que
ele próprio queria ser dado. Até que apareceu uma senhora gorda e
topou o oferecimento:
— Já
tenho seis lá em casa, que mal faz inteirar sete? Moço, eu fico com
ele.
Disse
mais que morava em Senador Camará, num sobradão assim assim, e lá
se foi com o presente. O pai se esquecera de perguntar-lhe o nome, ou
preferia não saber. Nenhum papel escrito selara o ajuste; nem havia
ajuste. Havia um bebê que mudou de mãos e agora começa a fazer
falta ao pai.
—
Praquê
fui dar esse menino? — interroga-se ele. Chega em casa e não sabe
como explicar à mulher o que fizera. Porque não fora abandonado por
ela; os dois tinham apenas brigado, e o marido, no vermelho da raiva,
saíra com o filho para dá-lo a quem quisesse.
A
mulher nem teve tempo de brigar outra vez. Correram os dois em busca
do menino dado, foram ao vago endereço, perguntaram pela vaga
senhora. Não há notícia. No estirão do subúrbio, no estirão
maior deste Rio, como pode um bebê fazer-se notar? E logo esse,
manso de natureza, pronto a aceitar quaisquer pais que lhe deem,
talvez na pré-consciência mágica de que pais deixaram de ter
importância.
E
o pai volta ao café da rua Luís de Camões, interroga um e outro,
nada: ninguém mais viu aquela senhora. Disposto a procurá-la por
toda parte, ele anuncia:
— Fico
sem camisa, mas compro o menino pelo preço que ela quiser.
Carlos
Drummond de Andrade,
in 70 historinhas
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