Mas,
já que falei nos meus dois tios, deixem-me fazer aqui um curto
esboço genealógico.
O
fundador de minha família foi um certo Damião Cubas, que floresceu
na primeira metade do século XVIII. Era tanoeiro de ofício, natural
do Rio de Janeiro, onde teria morrido na penúria e na obscuridade,
se somente exercesse a tanoaria. Mas não; fez-se lavrador, plantou,
colheu, permutou o seu produto por boas e honradas patacas, até que
morreu, deixando grosso cabedal a um filho, o licenciado Luís Cubas.
Neste rapaz é que verdadeiramente começa a série de meus avós -
dos avós que a minha família sempre confessou - porque o Damião
Cubas era afinal de contas um tanoeiro, e talvez mau tanoeiro, ao
passo que o Luís Cubas estudou em Coimbra, primou no Estado, e foi
um dos amigos particulares do vice-rei conde da Cunha.
Como
este apelido de Cubas lhe cheirasse excessivamente a tanoaria,
alegava meu pai, bisneto do Damião, que o dito apelido fora dado a
um cavaleiro, herói nas jornadas da África, em prêmio da façanha
que praticou arrebatando trezentas cubas ao mouros. Meu pai era homem
de imaginação; escapou à tanoaria nas asas de um calembour. Era um
bom caráter, meu pai, varão digno e leal como poucos. Tinha, é
verdade, uns fumos de pacholice; mas quem não é um pouco pachola
nesse mundo? Releva notar que ele não recorreu à inventiva senão
depois de experimentar a falsificação; primeiramente, entroncou-se
na família daquele meu famoso homônimo, o capitão-mor Brás Cubas,
que fundou a vila de São Vicente, onde morreu em 1592, e por esse
motivo é que me deu o nome de Brás. Opôs-se-lhe, porém, a família
do capitão-mor, e foi então que ele imaginou as trezentas cubas
mouriscas.
Vivem
ainda alguns membros de minha família, minha sobrinha Venância, por
exemplo, o lírio-do-vale, que é a flor das damas do seu tempo; vive
o pai, o Cotrim, um sujeito que...
Mas
não antecipemos os sucessos; acabemos de uma vez com o nosso
emplasto.
Machado
de Assis,
in Memórias póstumas de
Brás Cubas
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