Ao
fim de tantos séculos de rejeição oficial, as ilhas britânicas
acabaram aceitando que havia uma bola em seu destino. Nos tempos da
rainha Vitória, o futebol já era unânime não só como vício
plebeu, mas também como virtude aristocrática.
Os
futuros chefes da sociedade aprendiam a vencer jogando o futebol nos
pátios dos colégios e das universidades. Ali, os rebentos da classe
alta desafogavam seus ardores juvenis, aprimoravam sua disciplina,
temperavam sua coragem e afiavam sua astúcia. No outro extremo da
escala social, os proletários não precisavam extenuar o corpo,
porque para isso havia as fábricas e as oficinas, mas a pátria do
capitalismo industrial havia descoberto que o futebol, paixão de
massas, dava diversão e consolo aos pobres e os distraía de greves
e outros maus pensamentos.
Na
sua forma moderna, o futebol provém de um acordo de cavalheiros que
doze clubes ingleses selaram no outono de 1863, numa taverna de
Londres. Os clubes assumiram as regras estabelecidas em 1846 pela
Universidade de Cambridge. Em Cambridge, o futebol se havia
divorciado do rugby: era proibido conduzir a bola com as mãos,
embora fosse permitido tocá-la e era proibido chutar os adversários.
“Os pontapés só devem ser dirigidos para a bola”, advertia uma
das regras: um século e meio depois, ainda há jogadores que
confundem a bola com o crânio do rival, por sua forma parecida.
O
acordo de Londres não limitava o número de jogadores, nem a
extensão do campo, nem a altura do arco, nem a duração das
partidas. As partidas duravam duas ou três horas, e seus
protagonistas conversavam e fumavam quando a bola voava para longe.
Já existia, isso sim, o impedimento. Era desleal fazer gols nas
costas do adversário.
Naqueles
tempos, ninguém ocupava um lugar determinado no campo: todo mundo
corria alegremente atrás da bola, cada qual ia para onde bem
entendesse, e mudava de posição à vontade. Foi na Escócia que as
equipes se organizaram com funções de defesa, meio de campo e
ataque, lá pelo ano de 1870. Naquela época, as equipes já tinham
onze jogadores. Ninguém podia tocar a bola com as mãos, desde 1869,
nem mesmo para detê-la e colocá-la nos pés. Mas em 1871 nasceu o
arqueiro, única exceção desse tabu, que podia defender a meta com
o corpo inteiro.
O
arqueiro protegia um reduto quadrado: a meta, mais estreita que a
atual e muito mais alta, consistia de dois paus unidos por uma fita a
cinco metros e meio de altura. A faixa foi substituída por um
travessão de madeira em 1875. Nas traves se marcavam os gols, com
pequenos entalhes. A expressão marcar um gol é usada até hoje,
embora agora os gols já não sejam mais talhados nas traves, e sim
registrados nos placares eletrônicos dos estádios. A meta, feita em
ângulos retos, não tem forma arqueada, mas ainda a chamamos de
arco em alguns países, e chamamos de arqueiro quem a defende, talvez
porque os estudantes dos colégios ingleses tenham usado como metas
as arcadas dos pátios.
Em
1872, apareceu o árbitro. Até então, os jogadores eram seus
próprios juízes, e eles mesmos sancionavam as faltas que cometiam.
Em 1880, cronômetro na mão, o árbitro decidia quando terminava a
partida e tinha o poder de expulsar quem se portasse mal, mas ainda
dirigia de fora e aos gritos. Em 1891, o árbitro entrou em campo
pela primeira vez, usando um apito; marcou o primeiro pênalti da
história e caminhando doze passos assinalou o lugar da cobrança.
Fazia muito tempo que a imprensa britânica vinha fazendo campanha a
favor do pênalti. Era preciso proteger os jogadores na boca do gol,
que era cenário de chacinas. A Gazeta de Westminster havia
publicado uma impressionante lista de jogadores mortos e de ossos
quebrados.
Em
1882, os dirigentes ingleses autorizaram a cobrança de lateral com
as mãos. Em 1890, as áreas do campo foram marcadas com cal, e
traçou-se um círculo no centro. Naquele ano, o arco ganhou rede.
Segurando a bola, a rede evitava dúvidas nos gols.
Depois
morreu o século, e com ele terminou o monopólio britânico. Em 1904
nasceu a FIFA, Federação Internacional de Futebol Associado,
que desde então governa as relações entre a bola e o pé no mundo
inteiro. Ao longo dos campeonatos mundiais, a FIFA introduziu poucas
mudanças naquelas regras britânicas que organizaram o jogo.
Eduardo
Galeano, in Futebol ao sol e à sombra
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