Pais
separados, o Artur, 12 anos, vivia com a mãe e passava os fins de
semana com o pai. Quando chegava à casa do pai era submetido a um
interrogatório. Sempre.
— Como
é que está sua mãe?
— Sua
mãe fala muito em mim?
— Sua
mãe arranjou namorado?
Ou:
— Sua
mãe tem visto alguém?
Quando
voltava da casa do pai no domingo à noite, era submetido a outro
interrogatório.
— Como
é que está o seu pai?
— Seu
pai fala em mim?
— Seu
pai está com alguma namorada?
Ou:
— Seu
pai está saindo com alguém? Saco.
*
* *
Um
dia a mãe disse para o Artur dizer ao seu pai que precisava falar
com ele. Que quando ele trouxesse o Artur no domingo à noite era
para entrar. Para conversarem. O pai achou ótimo. Também precisava
conversar com a ex-mulher.
No
domingo o pai entrou, a mãe mandou o Artur ir tomar banho, e antes
que o pai pudesse se sentar, declarou:
— Assim
não vai dar, Gilson.
— O
quê?
— Assim
o Artur não vai poder continuar indo à sua casa.
— Assim
como?
—
Aquilo
não é ambiente pra ele.
— Por
quê?
— Ele
me contou. Primeiro tentou esconder, mas eu apertei e ele acabou
contando tudo.
— Tudo
o quê?!
— As
duas loiras. O hóspede travesti. As pílulas. Como é que você
pôde, Gilson? Com o seu filho dentro de casa!
—
Peraí.
Peralá. Que história é essa? Duas loiras? Travestis? Pílulas?
— É.
E ele vendo tudo.
— Ele
não viu nada!
— É
o que você pensa. Viu tudo. Me descreveu até as loiras. Uma magra,
a outra mais cheinha. E as tatuagens do travesti. Ficou traumatizado.
— Ele
não viu nada porque não havia nada pra ver. É tudo invenção
dele.
— Por
que o Artur iria inventar uma coisa dessas?
— Não
sei. Talvez por trauma, com o que ele tem visto aqui.
—
Aqui?!
— É.
O que ele ouve a noite inteira, quando seu namorado fica pra dormir.
— Que
namorado?!
— Sei
até o nome dele. Carlos Augusto. E que tem a metade da sua idade.
— Ó
Gilson, então você acha que eu... Isso é pura invenção do Artur!
— Será?
Ele me deu detalhes bem precisos. E do outro também.
—
Outro?!
— Um
que ele não sabe se é chinês ou japonês, e que leva uma malinha
preta quando vocês vão pro quarto.
—
Artur!
Venha cá!
*
* *
Artur
teve que pedir desculpas, mas deu resultado. Os interrogatórios
acabaram. Hoje, de vez em quando, a mãe ainda começa a perguntar:
— Seu
pai...
— Uma
ruiva chamada Anabela e duas policiais militares.
— Não.
Sério, Artur.
— Eu
estou sendo sério.
A
mãe ri e comenta: “Que imaginação.” Depois fica pensando: “E
se for verdade?” Mas não pergunta mais nada.
O
pai também tenta se controlar, mas às vezes não aguenta.
— Sua
mãe...
— Agora
anda com uma moça que parece homem, chamada Castro.
— Não
brinque com essas coisas, meu filho.
— Eu
não estou brincando.
O
pai sacode a cabeça e ri, e pensa, “Esse garoto ainda vai nos sair
um escritor...” E depois: “E se for verdade?” Mas não pergunta
mais nada.
Luís
Fernando
Veríssimo,
in Amor
Veríssimo
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