A
proposta era simples. Cláudia acompanharia João Carlos numa visita
à casa dos seus pais, na cidadezinha onde nascera, e seria
apresentada como sua namorada. Alguém o tinha visto no Rio e chegara
à cidadezinha com a notícia de que ele era gay. Ele precisava
provar que não era gay.
— Mas
você não tem uma namorada de verdade? — perguntara Cláudia. —
Por que eu?
—
Porque eu sou gay. Não tenho namorada.
Tenho namorado. O nome dele é Roni. Não posso aparecer lá com o
Roni.
— Mas
ninguém liga pra isso, hoje em dia. Liga?
— Na
minha cidade, na minha casa, ligam.
*
* *
Cláudia
hesitara. Quase não conhecia João Carlos. A ideia de passar o Natal
e o Ano-Novo com um quase desconhecido, na casa de uma família
totalmente desconhecida, numa cidadezinha inimaginável, não a
atraía. Se bem que... Poderia ser divertido. O João Carlos não era
antipático. E os dois se fingindo de namorados, enganando todo
mundo... Ela não tinha outros planos para o fim do ano. Nenhum
desfile agendado. Seria divertido. Topou.
No
aeroporto, antes de embarcarem, João Carlos se despediu de Roni com
um beijo prolongado e disse para ele não se preocupar.
— Não
vá me ter uma recaída... — disse Roni, indicando Cláudia.
— Pode
deixar — disse João Carlos. — Não há perigo.
Os
três riram muito.
*
* *
Ao
churrasco na casa dos pais de João Carlos, na primeira noite, veio
gente de toda a região, parentes e amigos e até alguns que ninguém
conhecia, para ver a namorada carioca. A notícia de que Cláudia
era, além de carioca, uma bela mulher, uma modelo, se espalhara
rapidamente e todos queriam vê-la, e ouvi-la, e dizer “O
Joãozinho, hein? Quem diria”. Os dois tinham dormido em quartos
separados, João Carlos no seu quarto antigo, Cláudia com a irmã
dele. A mãe do João Carlos, que via novela e sabia que aquilo era
comum, não se importaria se os dois dormissem juntos, mas “O seu
pai, sabe como é...” Eles sabiam como era. Não dormiam juntos,
mas passavam o tempo todo se acariciando e se beijando, em casa e na
rua, provando para a cidade inteira que aquele boato de que o João
Carlos tinha desandado no Rio era invenção, pura invenção.
Gostava de mulher. E, a julgar pela Cláudia, gostava de grandes
mulheres!
*
* *
Foi
na noite de Ano-Bom, depois de muito frisante no clube, depois de se
abraçarem e se beijarem apaixonadamente à meia-noite para todos
verem, que os dois chegaram em casa e não foram cada um para um
quarto, foram para o quarto do João Carlos, quem diria, onde se
amaram durante toda a madrugada, tentando não fazer muito barulho. E
de manhã, suas pernas ainda entrelaçadas com as de Cláudia, João
Carlos lamentou o acontecido, e disse “Bem que o Roni me
avisou...”, e a Cláudia beijou a ponta do seu nariz e disse:
—
Pronto, pronto.
*
* *
Voltaram
para o Rio no dia 2, o João Carlos silencioso no ônibus e no avião,
com cara de culpa, depois de pedir a Cláudia que em hipótese alguma
comentasse a sua recaída para quem quer que fosse, senão o Roni ia
acabar sabendo, e a Cláudia silenciosa, com o secreto orgulho de ser
tão desejável, tão mulher, que provocara a recaída fatal de João
Carlos, depois de prometer que não contaria nada a ninguém, que
aquilo ficaria entre os dois, só entre os dois, para sempre.
*
* *
Ainda
ontem a Cláudia encontrou o Roni e perguntou pelo João Carlos e o
Roni disse:
—
Quem?!
— O
João Carlos. Seu namorado.
— Ah,
é. Está bem. Muito bem. Quer dizer. Olha aqui... Esse negócio de
namorado...
— Você
também mal conhecia o João Carlos. Não é?
— É.
Eu...
— Ele
pediu para você fingir que era o namorado dele.
— É.
— O
seu nome nem é Roni.
— Não.
Cláudia
sorriu. Pensando: se o João Carlos tivesse me pedido, honestamente,
sem mentir, sem encenação, topa ou não topa, eu teria topado?
Provavelmente não. Uma mulher como eu? Provavelmente não.
O
falso Roni tinha chegado mais perto e estava dizendo:
— Olha,
eu também não sou gay. E se quiser, posso provar.
Cláudia
se afastou, ligeiro. Pensando: ó raça, essa masculina!
Luís
Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo
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