—
Madame, queira comparecer com urgência
ao Distrito. Seu filho está detido aqui.
— Como?
O senhor ligou errado. Meu filho detido? Meu filho vive há seis
meses na Bélgica, estudando física.
— E
a senhora só tem esse?
— Bom,
tenho também o Caçulinha, de dez anos.
— Pois
é o Caçulinha.
— O
senhor está brincando comigo. Não acho graça nenhuma. Então um
menino de dez anos foi parar na polícia?
—
Madame vem aqui e nós explicamos.
A
senhora correu ao Distrito, apavorada. Lá estava o Caçulinha,
cabeça baixa, silencioso.
— Meu
filho, mas você não foi ao colégio? Que foi que aconteceu?
Não
se mostrou inclinado a responder.
— Que
foi que meu filho fez, seu comissário? Ele roubou? Ele matou?
—
Estava com um colega fazendo bagunça
numa casa velha da rua Soares Cabral. Uma senhora que mora em frente
telefonou avisando, e nós trouxemos os dois para cá. O outro garoto
já foi entregue à mãe dele. Mas este diz que não quer voltar para
casa.
A
mãe sentiu uma espada muito fina atravessar-lhe o peito.
— Que
é isso, meu filho? Você não quer voltar para casa?
Continuava
mudo.
— Eu
disse a ele, madame — continuou o comissário —, que se não
voltasse para casa teria de ser entregue ao Juiz de Menores. Ele me
perguntou o que é o Juiz de Menores. Eu expliquei, ele disse que ia
pensar.
— Meu
filho, meu filhinho — disse a senhora, com voz trêmula —, então
você não quer mais ficar com a gente? Prefere ser entregue ao Juiz
de Menores?
Caçulinha
conservava-se na retranca. O policial conduziu a senhora para outra
sala.
— O
que esses garotos estavam fazendo é muito perigoso. Brincavam de
explorar uma casa abandonada, onde à noite dormem marginais. Madame
compreende, é preciso passar um susto nos dois.
A
senhora voltou para perto de Caçulinha, transformada:
— Sai
daí já, seu vagabundo, e vamos para casa.
O
mudo recuperou a fala:
— Eu
não posso voltar, mãe.
— Não
pode? Espera aí que eu te dou não pode. E levou-o pelo braço,
ríspida.
Na
rua, Caçulinha tentou negociar:
— A
senhora me deixa passar em Soares Cabral? Deixando, eu volto direito
para casa, não faço mais besteira.
—
Passar em Soares Cabral, depois desse
vexame? Você está louco.
— Eu
preciso, mãe. Tenho de pegar uma coisa lá.
— Que
coisa?
— Não
sei, mas tenho de pegar. Senão me chamam de covarde. Aceitei o
desafio dos colegas, e se não trouxer um troço da casa velha para
eles, fico desmoralizado.
— Que
troço?
— O
pessoal diz que lá dentro tem ferros para torturar escravo, essas
coisas. Eu e o Edgar estávamos procurando, ele mais como testemunha,
eu como explorador. Mãe, a senhora quer ver seu filho sujo no
colégio, quer? Tenho de levar nem que seja um pedaço de cano velho,
uma fechadura, uma telha.
A
mãe estacou para pensar. Seu filho sujo no colégio? Nunca. Mas e o
perigo dos marginais? E a polícia? E seu marido? Vá tudo para o
inferno. Tomou uma resolução macha, e disse para Caçulinha:
— Quer
saber de uma coisa? Eu vou com você a Soares Cabral.
Carlos
Drummond de Andrade, in 70 historinhas
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