Meu
caro: recebi a revista com minha entrevista, que você não quis
fazer por e-mail, como eu tinha sugerido, nem com um gravador, como
seria prudente. Confiou na sua memória e nas suas anotações e o
resultado aí está. Começando já na primeira pergunta, sobre o meu
método de trabalho.
Reconheço
que não falo com muita clareza, mas definitivamente não, repito
não, disse que antes de começar a escrever traçava uns miúdos, o
que pode dar a entender que me preparo para o trabalho atacando
sexualmente crianças portuguesas. O que eu disse foi que amiúde
faço traços no papel, esperando que venha a inspiração. Também
não sei de onde você tirou que só escrevo descalço e ouvindo
Mozart.
Em
outra pergunta, sobre o começo da minha carreira e as leituras que
me influenciaram, onde está “corcundas libertários” deveria ser
“concursos literários”, e onde se lê “Frei Beto” deveria
ser “Flaubert”. Não me lembro exatamente o que disse sobre o
Machado de Assis, mas tenho certeza que não o chamei de “prótese
motora”. Talvez fosse algo como “protomoderno”. Só saberíamos
ao certo se você tivesse gravado!
Outra
coisa. Sua pergunta sobre escritores brasileiros meus contemporâneos.
Se
eu for processado — e no caso do Paulo Coelho certamente serei,
depois do que você botou na minha boca sobre ele — farei o
possível para que você seja responsabilizado criminalmente. Não
entendo como a expressão “fenômeno cultural”, a respeito dos
novos autores da era da informática, possa ter saído como “fedor
monumental”. Vou ter que telefonar para vários escritores amigos
meus para desmentir o que está na entrevista, antes que mandem me
bater.
Você
também ouviu errado o nome da minha mulher. Ela ainda não leu a
entrevista, mas fatalmente me perguntará sobre essa Lidia que,
segundo você, é minha companheira e musa há tantos anos. Vai
querer saber onde eu a mantenho escondida.
Meus
dados biográficos também saíram errado. Eu não disse que fui
adotado com um ano e pouco. Disse que nasci sem cabelo e por isso fui
apelidado de “Coco”. Na infância não gostava de andar pelado na
rua. Gostava de jogar peladas na rua. E não consigo imaginar o que
eu falei que levou você a escrever que na adolescência fui
sequestrado por um casal de ciganos e levado para a Romênia. Eu
deveria ter adivinhado que você entendera errado quando antes de
escrever me perguntou se o certo era “Romênia” ou “Rumênia”.
Também não sei como o senador Demóstenes Torres entrou na minha
lista de atores favoritos.
Por
fim: eu disse que minha cor preferida era o vermelho. Saiu “azul”.
Foi o que mais doeu.
Luís
Fernando Veríssimo, in Diálogos impossíveis
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