“Se
deste vazão à ira, fica certo de que, além do mal nela implícito,
revigoraste o hábito e acrescentaste lenha à fogueira. Quando és
vencido por uma tentação da carne, não consideres isso simples
derrota: considera, também, que revigoraste os teus hábitos
dissolutos. Os hábitos e as faculdades são necessariamente afetados
pelos atos correspondentes. Os que antes não existiam, agora
aparecem; os demais cobram vigor e domínio. Esta é a versão que os
Filósofos dão das moléstias da mente: supõe que algum dia
cobiçaste ter dinheiro: se a razão, em dose suficiente para
provocar a consciência do mal, intervir, a cobiça é anulada e a
mente recupera imediatamente a sua autoridade original; contudo, se
não recorreres a nenhum remédio, jamais poderás esperar tal
recuperação; ao contrário, a próxima vez em que for excitada pelo
objeto correspondente, a chama do desejo irromperá mais prontamente
do que antes. Pela frequência da repetição, a mente, ao fim e ao
cabo, fica calejada e, assim, esta moléstia mental produz Avareza
confirmada.
Quando
alguém teve febre, mesmo depois de voltar à normalidade, não se
encontra nas mesmas condições de saúde que antes, a menos que a
sua cura seja completa. Algo de semelhante ocorre com as moléstias
da mente. Sempre ficam traços e empolas e, a menos que sejam
efetivamente eliminadas, golpes subsequentes no mesmo local
produzirão, não mais meras empolas, mas feridas. Se não queres ser
propenso à ira, não lhe cultives o hábito; não lhe dês nada que
possa contribuir para agravá-la. A princípio, fica quieto e conta
os dias em que não estás irado: “Eu costumava irritar-me todos os
dias; depois, dia sem dia não; mais tarde, a intervalos de dois dias
e, logo em seguida, de três!” Se conseguires passar trinta dias
sem te irares, faz um sacrifício aos Deuses, em sinal de
agradecimento.”
Epicteto,
in O festival da vida
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