A
curiosidade, instinto de complexidade infinita, leva por um lado a
escutar às portas e por outro a descobrir a América: — mas estes
dois impulsos, tão diferentes em dignidade e resultados, brotam
ambos de um fundo intrinsecamente precioso, a atividade do espírito.
Um espírito indolente não se arremessa com magnificência para os
mares desconhecidos: também não se arrasta mesquinhamente para as
fendas das portas: imóvel, como uma árvore sobre as raízes, ondula
e rumoreja, dá a sua folha ou o seu fruto, derrama a sua curta
sombra sobre o seu curto chão, e na mesma imobilidade, direito sobre
as raízes, murcha, caduca e perece. O espírito porém que incita o
homem a deixar a quietação do banco do seu jardim, a trepar a um
muro escorregadio, a espreitar o jardim vizinho, possui já uma
estimável força de vivacidade indagadora: — e a tendência que o
moveu é essencialmente idêntica à tendência que, noutro tempo,
levara outro homem a subir às rochas de Sagres, para contemplar, com
sublime ansiedade, as neblinas atlânticas. Ambos são dois espíritos
muito ativos, almejando por conhecer o mundo e a vida que se estendem
para além do seu horizonte e do seu muro. O valor tão violentamente
discordante das obras dependerá apenas do quilate dos dois
espíritos, e das condições em que se exerçam, largas aqui com
toda a largueza da onipotência, mais estreitas além do que a choça
de um servo. Um, nascido com aladas aspirações de conquista e de
fé, trabalhando sobre as energias novas de um povo forte, revelará
aos homens o segredo da Terra: — o outro, de índole peca, enlevado
na importância da comadre e da couve, não cessará de esfolar os
joelhos, no esforço de trepar aos muros para espiolhar as vidas e as
couves alheias. Depois um, ao acompanhamento das liras épicas,
penetra na imortalidade: o outro não passa do canto do muro, onde
certamente o apedrejarão. Mas ambos eles, o criador de civilização
e o criador de escândalo, obedeceram à mesma energia íntima de
iniciativa descobridora. São dois espíritos governados pela
curiosidade, a vil curiosidade, como lhe chama Byron, com romântica
ignorância,... E de resto, sem essa qualidade vil, nunca o primitivo
Adão teria emergido da caverna primitiva, e todos nós, mesmo o
curiosíssimo Byron, permaneceríamos, através dos tempos,
solitários e horrendos trogloditas.
Eça
de Queirós,
in
Notas
contemporâneas
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