domingo, 17 de dezembro de 2017

Circo do miudinho

Se o louva-a-deus se finge de bendito, ninguém se fie de sua tranquilação. Só às ocultas vezes, aliás, propõe-se como de fato é: maxiloso, carnivoroso, muito quadrúpede a seis, todo cibernético: é um dragão que vai ou não voar, vai matar e comer, é a fera em suave, o cabeça de guerreiro, blitzíssimo. De andas, sobre palanque, estendeu muito suas pernas no chão, erguidas as mãos, boxeador, apunhalante. Mas o louva-a-deus espia para trás. Quer é mesa posta. O louva-a-deus e a folhagem: indiscerníveis.
Já quem vem lá, é o gafanhoto. O gafanhoto é também um robô, embora pareça um diabo; e otário. Suas coxas montanhosas, musculosas, longicônicas, clava gorda o fêmur, suas patas saltadoras — denunciam o elemento acrobático, não o suculento. Juram-no porém gostoso, culinário, um senhor petisco. Sem motivo também (vid. vaidade) não o chamariam de salta-marquês. Dom Gafanhoto vem vindo. Ouviu-se, então, vozinha verde, tênue, pia, lisonjosa:
Compadre? Compadre... Faz favor, Compadre, pode se chegar. Compadre amigo... Grande Compadre! Grandíssimo Compadre Dom Gafanhoto, rei dos nobres... Distintíssimo! Ah, Compadre, o senhor é o maior... O senhor é o senhor... Tão rico, tão sabido, tão bom... Ah! Ah... Tão bom... tão bom... Compadre... Ah, ah!... Só esta vossa cabeça é que está meia dura para se roer, mas, a barriga, ei, ela estava gostosa como outra nunca se viu…
Guimarães Rosa, in Ave, palavra

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