O
ator que fazia o papel de Cristo no espetáculo de Nova Jerusalém
ficou tão compenetrado da magnitude da tarefa que, de ano para ano,
mais exigia de si mesmo, tanto na representação como na vida
rotineira.
Não
que pretendesse copiar o modelo divino, mas sentia necessidade de
aperfeiçoar-se moralmente, jamais se permitindo a prática de ações
menos nobres. E exagerou em contenção e silêncio.
Sua
vida tornou-se complicada, pois os amigos de bar o estranhavam, os
colegas de trabalho no escritório da Empetur (Empresa Pernambucana
de Turismo) passaram a olhá-lo com espanto, e em casa a mulher
reclamava do seu alheamento.
No
sexto ano de encenação do drama sacro, estava irreconhecível.
Emagrecera, tinha expressão sombria no olhar, e repetia
maquinalmente as palavras tradicionais. Seu desempenho deixou a
desejar.
Foi
advertido pela Empetur e pela crítica: devia ser durante o ano um
homem alegre, descontraído, para tornar-se perfeito intérprete da
Paixão na hora certa. Além do mais, até a chegada a Jerusalém,
Jesus era jovial e costumava ir a festas.
Ele
não atendeu às ponderações, acabou destituído do papel,
abandonou a família, e dizem que se alimenta de gafanhotos no
agreste.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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