Campo de capim-gordura florido
Quem experimentou o cheiro e a cor do
capim-gordura não esquece mais. Menino, lá em Boa Esperança, meu
tio João Gordo, que era extremamente magro, me pegava antes das seis
da manhã para ir até a fazenda, para a ordenha das vacas. Os
cavalos caminhavam sem pressa. Conheciam o caminho. Passadas as ruas
da cidade, entrávamos na estrada de terra e tomávamos uma trilha à
direita. A trilha quase não se via, coberta que estava pelo gordo
capim-gordura que se derramava sobre ela. O silêncio, o cheiro dos
cavalos, o barulho dos cascos no chão, o cricri dos grilos, a música
da água de um riachinho que corria escondido sob o capim, a neblina
e o perfume do capim... Isso faz parte da terra das Minas Gerais,
terra-saudade. É pedaço de mim. Quem é mineiro sente dor só de
lembrar. Depois, quando era maior, da janela do meu quarto eu via um
campo de capim-gordura florido, ao longe. Cor-de-rosa. Quando o vento
passava o rosa ondulava. As vacas gostavam. Acho que ficavam felizes
e da sua felicidade saía o leite mais saboroso, o queijo mais
perfumado, como aqueles queijos da serra da Canastra. Mas depois veio
o tal do progresso e disseram que havia um capim mais forte, o tal de
braquiária, africano. De fato, mais forte. Praga que uma vez
plantada não há o que acabe com ela. As vacas comem por não ter
outro. Mas se vingam. Seu leite não tem o mesmo cheiro. Os queijos
não têm o mesmo perfume. Andando pelos campos, a gente ainda
encontra os capins-gordura floridos. Quando o sol ilumina suas
delicadíssimas flores, a gente, sem querer, rende graças.
Rubem Alves, in Ostra feliz não
pérola
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