terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Capim-gordura

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Campo de capim-gordura florido

Quem experimentou o cheiro e a cor do capim-gordura não esquece mais. Menino, lá em Boa Esperança, meu tio João Gordo, que era extremamente magro, me pegava antes das seis da manhã para ir até a fazenda, para a ordenha das vacas. Os cavalos caminhavam sem pressa. Conheciam o caminho. Passadas as ruas da cidade, entrávamos na estrada de terra e tomávamos uma trilha à direita. A trilha quase não se via, coberta que estava pelo gordo capim-gordura que se derramava sobre ela. O silêncio, o cheiro dos cavalos, o barulho dos cascos no chão, o cricri dos grilos, a música da água de um riachinho que corria escondido sob o capim, a neblina e o perfume do capim... Isso faz parte da terra das Minas Gerais, terra-saudade. É pedaço de mim. Quem é mineiro sente dor só de lembrar. Depois, quando era maior, da janela do meu quarto eu via um campo de capim-gordura florido, ao longe. Cor-de-rosa. Quando o vento passava o rosa ondulava. As vacas gostavam. Acho que ficavam felizes e da sua felicidade saía o leite mais saboroso, o queijo mais perfumado, como aqueles queijos da serra da Canastra. Mas depois veio o tal do progresso e disseram que havia um capim mais forte, o tal de braquiária, africano. De fato, mais forte. Praga que uma vez plantada não há o que acabe com ela. As vacas comem por não ter outro. Mas se vingam. Seu leite não tem o mesmo cheiro. Os queijos não têm o mesmo perfume. Andando pelos campos, a gente ainda encontra os capins-gordura floridos. Quando o sol ilumina suas delicadíssimas flores, a gente, sem querer, rende graças.
Rubem Alves, in Ostra feliz não pérola

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