Pois
no Rio tinha um lugar com uma lareira. E quando ela percebeu que,
além do frio, chovia nas árvores, não pôde acreditar que tanto
lhe fosse dado. O acordo do mundo com aquilo que ela nem sequer sabia
que precisava como numa fome. Chovia, chovia. O fogo aceso pisca para
ela e para o homem. Ele, o homem, se ocupa do que ela nem sequer lhe
agradece: ele atiça o fogo na lareira, o que não lhe é senão
dever de nascimento. E ela – que é sempre inquieta, fazedora de
coisas e experimentadora de curiosidades – pois ela nem se lembra
sequer de atiçar o fogo: não é seu papel, pois se tem o seu homem
para isso. Não sendo donzela, que o homem então cumpra a sua
missão. O mais que ela faz é às vezes instigá-lo: “aquela
acha”, diz-lhe, “aquela ainda não pegou.” E ele, um instante
antes que ela acabe a frase que o esclareceria, ele por ele mesmo já
notara a acha, homem seu que é, e já está atiçando a acha. Não a
comando seu, que é a mulher de um homem e que perderia seu estado se
lhe desse ordem. A outra mão dele, a livre, está ao alcance dela.
Ela sabe, e não a toma. Quer a mão dele, sabe que quer, e não a
toma. Tem exatamente o que precisa: pode ter.
Ah,
e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não,
ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que
sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar.
Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce
arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a
mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde,
flameja.
Clarice
Lispector, in
Aprendendo a viver
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