quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O peso da obrigação de ser original

Meu primeiro livro chamou-se O lírio do vale. Um livro medíocre, mal-acabado, de poemas prematuros e inconsistentes. Eu tinha 17 anos e imaginava que escrever fosse despejar sobre o papel os meus sentimentos, as minhas emoções e os meus desejos com a maior sinceridade possível.
Retirei o título de uma famosa passagem bíblica que afirma que devemos olhar os lírios do campo, que não tecem, não fiam, não fazem nada e mesmo assim Deus os sustenta – ou algo assim, a depender da tradução.
Certamente eu já conhecia Olhai os lírios do campo, de Érico Veríssimo, e por isso devo ter imaginado, tolamente, que, se o meu “lírio” fosse do “vale”, seria mais profundamente meu.
Muitos anos depois, descobri que Honoré de Balzac havia publicado um romance com o mesmo nome, exatamente O lírio do vale, em 1835. Jamais o li, mas sei que descreve o amor platônico de Madame de Mortsauf por Félix Vandenesse.
O episódio rendeu-me uma prematura, e nunca superada, conclusão: não há originalidade. E mais – que a literatura é um amontoado de lugares comuns, e que os temas, na literatura, se repetem infinitamente.
Luigi Pirandello, o autor de Seis personagens em busca de um autor, dedicou-se a vida inteira a pesquisar os principais temas da literatura ocidental ao longo de 2.500 anos. Encontrou cinco.
O que não se repete é a voz, o uso particular que o escritor faz da língua, do léxico de que dispõe em seu idioma. E a essa voz, a esse timbre, um escritor pode acrescentar modulações, titubeios, trejeitos que constituem o seu estilo, que é irrepetível, irreprodutível e único.
Liberar dos ombros o peso da obrigação de ser original libera espaço para coisas mais importantes.
Charles Kiefer, in Para ser escritor

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