Meu
primeiro livro chamou-se O lírio do vale. Um livro medíocre,
mal-acabado, de poemas prematuros e inconsistentes. Eu tinha 17 anos
e imaginava que escrever fosse despejar sobre o papel os meus
sentimentos, as minhas emoções e os meus desejos com a maior
sinceridade possível.
Retirei
o título de uma famosa passagem bíblica que afirma que devemos
olhar os lírios do campo, que não tecem, não fiam, não fazem nada
e mesmo assim Deus os sustenta – ou algo assim, a depender da
tradução.
Certamente
eu já conhecia Olhai os lírios do campo, de Érico
Veríssimo, e por isso devo ter imaginado, tolamente, que, se o meu
“lírio” fosse do “vale”, seria mais profundamente meu.
Muitos
anos depois, descobri que Honoré de Balzac havia publicado um
romance com o mesmo nome, exatamente O lírio do vale, em
1835. Jamais o li, mas sei que descreve o amor platônico de Madame
de Mortsauf por Félix Vandenesse.
O
episódio rendeu-me uma prematura, e nunca superada, conclusão: não
há originalidade. E mais – que a literatura é um amontoado de
lugares comuns, e que os temas, na literatura, se repetem
infinitamente.
Luigi
Pirandello, o autor de Seis personagens em busca de um autor,
dedicou-se a vida inteira a pesquisar os principais temas da
literatura ocidental ao longo de 2.500 anos. Encontrou cinco.
O
que não se repete é a voz, o uso particular que o escritor faz da
língua, do léxico de que dispõe em seu idioma. E a essa voz, a
esse timbre, um escritor pode acrescentar modulações, titubeios,
trejeitos que constituem o seu estilo, que é irrepetível,
irreprodutível e único.
Liberar
dos ombros o peso da obrigação de ser original libera espaço para
coisas mais importantes.
Charles
Kiefer, in Para ser escritor
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