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“Caixa
de ferramentas” e “caixa de brinquedos”. É preciso que eu
explique por que esses dois conceitos são a base da minha filosofia
de educação e de vida. Resumindo: são duas, apenas duas, as
tarefas da educação, representadas por duas caixas que o corpo
carrega. Na mão direita, mão da destreza e do trabalho, ele leva
uma caixa de ferramentas. E na mão esquerda, mão do coração e da
sensibilidade, ele leva uma caixa de brinquedos. Ferramentas são
melhorias do corpo. Os animais não precisam de ferramentas porque
seus corpos já são ferramentas. Seus corpos lhes dão todas a
ferramentas de que necessitam para sobreviver. Como são desajeitados
os seres humanos quando comparados com os animais! Veja, por exemplo,
os macacos. Sem nenhum treinamento especial, eles tirariam medalhas
de ouro na ginástica olímpica. E os saltos das pulgas e dos
gafanhotos! Já prestou atenção na velocidade das formigas? Mais
velozes a pé, proporcionalmente, que os bólidos de Fórmula Um! O
voo dos urubus, os buracos dos tatus, as teias das aranhas, as
conchas dos moluscos, a língua saltadora dos sapos, o veneno das
taturanas, os dentes dos castores... Nossa inteligência se
desenvolveu para compensar a deficiência das ferramentas que o corpo
nos dá, por nascimento. Assim, ela inventou melhorias para o corpo:
porretes, pilões, facas, flechas, redes, barcos, bicicletas, casas,
aviões, computadores... Disse Marshal MacLuhan corretamente que
todos os “meios” são extensões do corpo. É isto que são as
ferramentas: meios para se viver. Ferramentas aumentam a nossa força,
nos dão poder: uma agulha, um pau de fósforo, um par de óculos...
A ideia de que o corpo carrega duas caixas – uma caixa de
ferramentas, na mão direita, e uma caixa de brinquedos, na mão
esquerda – me apareceu quando me dedicava a entender santo
Agostinho. Pois ele, resumindo o seu pensamento, disse que todas as
coisas que existem se dividem em duas ordens distintas. A ordem do
uti (ele escrevia em latim) e a ordem do frui. Uti,
“o que é útil, utilizável, utensílio”. Usar uma coisa é
utilizá-la para se obter uma outra coisa. Frui, “fruir, usufruir,
desfrutar, amar uma coisa por causa dela mesma”. A ordem do uti
é o lugar do poder. Todos os utensílios, ferramentas, são
inventados para aumentar o poder do corpo. A ordem do frui, ao
contrário, é a ordem do amor – coisas que não são utilizadas,
que não são ferramentas, que não servem para nada. Elas não são
úteis; são inúteis. Porque não são para ser usadas, mas para ser
gozadas. A tradição cristã tem medo das coisas que são guardadas
na caixa dos brinquedos. Nessa caixa se guarda a origem do pecado: o
prazer…
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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