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A
jovem me olhou com olhos sorridentes e disse: “O senhor aceitaria
um brinde?”. Ela estava dentro de um balcão circular no aeroporto,
rodeada de revistas. Oferecia-me, de graça, uma revista, à minha
escolha. O nome dela era Sabrina. Devolvi o sorriso, aproximei-me e
disse: “Não vou aceitar o brinde porque não há brindes. O peixe,
ao olhar para a isca, pensa: ‘Oh! Um brinde do pescador...’.
Quando eu era jovem, tentei ganhar a vida como vendedor de livros.
Fracassei, mas aprendi a sedução dos brindes. Não vou aceitar o
brinde porque sei aonde ele me levará: serei fisgado pelo anzol e
ficarei odiando você e eu mesmo pelo brinde, nas inúmeras
prestações que terei de pagar. Falo isso por experiência própria.”
Ela não argumentou. Percebeu que eu conhecia o engodo. Aí
continuamos a conversar. Brinquei com ela: “Você está ganhando a
sua vida e enganando a vida dos outros. Mas não se envergonhe. Todo
mundo engana. A vida é feita de enganos. Os políticos enganam. Os
líderes religiosos enganam. A propaganda, na sua totalidade, é
feita de enganos: lançam a isca para que as pessoas – peixes -
abocanhem o anzol... Mas tenho de louvar a sabedoria psicanalítica
dos enganadores. Não é possível pescar usando como isca um pedaço
de ferro. Só é isca aquilo que a pessoa deseja. Peixe deseja
minhoca... A internet está cheia de iscas. Diariamente me chegam
ofertas de remédios que fazem aumentar o pênis... Haverá coisa que
os homens desejam mais? Não se deseja pênis grande para ter prazer
pessoal grande. Deseja-se pênis grande para dar muito prazer à
parceira. Quanto maior, mais prazer. O que o homem deseja é que a
mulher, esvaziada de tanto prazer – pois o prazer não esvazia? –
olhe para ele e diga: ‘Como é bom que você exista’... Como
disse o Nando, do Quarup: ‘Nós nascemos para sermos
adorados como deuses...’. Esse é o nosso desejo. Por isso
abocanhamos a isca e somos fisgados...”.
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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