sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Brinde

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A jovem me olhou com olhos sorridentes e disse: “O senhor aceitaria um brinde?”. Ela estava dentro de um balcão circular no aeroporto, rodeada de revistas. Oferecia-me, de graça, uma revista, à minha escolha. O nome dela era Sabrina. Devolvi o sorriso, aproximei-me e disse: “Não vou aceitar o brinde porque não há brindes. O peixe, ao olhar para a isca, pensa: ‘Oh! Um brinde do pescador...’. Quando eu era jovem, tentei ganhar a vida como vendedor de livros. Fracassei, mas aprendi a sedução dos brindes. Não vou aceitar o brinde porque sei aonde ele me levará: serei fisgado pelo anzol e ficarei odiando você e eu mesmo pelo brinde, nas inúmeras prestações que terei de pagar. Falo isso por experiência própria.” Ela não argumentou. Percebeu que eu conhecia o engodo. Aí continuamos a conversar. Brinquei com ela: “Você está ganhando a sua vida e enganando a vida dos outros. Mas não se envergonhe. Todo mundo engana. A vida é feita de enganos. Os políticos enganam. Os líderes religiosos enganam. A propaganda, na sua totalidade, é feita de enganos: lançam a isca para que as pessoas – peixes - abocanhem o anzol... Mas tenho de louvar a sabedoria psicanalítica dos enganadores. Não é possível pescar usando como isca um pedaço de ferro. Só é isca aquilo que a pessoa deseja. Peixe deseja minhoca... A internet está cheia de iscas. Diariamente me chegam ofertas de remédios que fazem aumentar o pênis... Haverá coisa que os homens desejam mais? Não se deseja pênis grande para ter prazer pessoal grande. Deseja-se pênis grande para dar muito prazer à parceira. Quanto maior, mais prazer. O que o homem deseja é que a mulher, esvaziada de tanto prazer – pois o prazer não esvazia? – olhe para ele e diga: ‘Como é bom que você exista’... Como disse o Nando, do Quarup: ‘Nós nascemos para sermos adorados como deuses...’. Esse é o nosso desejo. Por isso abocanhamos a isca e somos fisgados...”.
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba

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