“Tem
ar e sol, e tem nuvens. Lá em cima um céu azul e talvez atrás dele
existam canções; talvez melhores vozes... Há esperança, enfim. Há
esperança para nós, contra o nosso penar.
“Mas
não para você, Miguel Páramo, que morreu sem perdão e não
alcançará graça alguma.”
O
padre Rentería deu as costas e entregou a missa ao passado.
Apressou-se para terminar logo e saiu sem dar a bênção final para
aquela gente que lotava a igreja.
—
Padre, queremos que o abençoe para nós!
— Não!
— disse ele mexendo a cabeça e negando. — Não vou fazer isso.
Foi um homem ruim, e não entrará no Reino dos Céus. Deus irá me
levar a mal se eu interceder por ele.
Dizia
isso, enquanto tentava conter as mãos para que não mostrassem seu
tremor. Mas foi.
Aquele
cadáver pesava muito na alma de todos. Estava sobre um tablado, no
meio da igreja, rodeado de círios novos, de flores, de um pai que
estava atrás dele, sozinho, esperando que terminasse o velório.
O
padre Rentería passou ao lado de Pedro Páramo procurando não roçar
seus ombros. Levantou o aspersório com gestos suaves e orvalhou a
água benta de alto a baixo, enquanto de sua boca saía um murmúrio
que podiam ser orações. Depois se ajoelhou e todo mundo se ajoelhou
com ele:
— Tem
piedade do teu servo, Senhor.
— Que
descanse em paz, amém — responderam as vozes.
E
quando ele começava a se encher de raiva de novo, viu que todos
saíam da igreja levando o cadáver de Miguel Páramo.
Pedro
Páramo aproximou-se, ajoelhando-se ao seu lado:
— Eu
sei que o senhor o odiava, padre. E com razão. O assassinato do seu
irmão, que pelo que se rumoreja por aí foi cometido pelo meu filho;
o caso da sua sobrinha Ana, que o senhor acha que foi violada por
ele; as ofensas e faltas de respeito que ele às vezes teve com o
senhor são motivos que qualquer um pode reconhecer. Mas esqueça
isso agora, padre. Pense e perdoe como talvez Deus já tenha
perdoado.
Pôs
sobre o genuflexório um punhado de moedas de ouro e levantou-se:
—
Receba isso como uma ajuda para a sua
igreja.
A
igreja já estava vazia. Na porta dois homens esperavam Pedro Páramo,
que se juntou a eles, e juntos seguiram o féretro que aguardava
descansando sobre os ombros de quatro caporais da Media Luna.
O
padre Rentería apanhou as moedas uma por uma e se aproximou do
altar.
— São
tuas — disse. — Ele pode comprar a salvação. Tu saberás se o
preço é este. Quanto a mim, Senhor, me ponho aos teus pés para
pedir o justo ou o injusto, que tudo nos é dado pedir... Por mim,
condena-o, Senhor.
E
fechou o sacrário.
Entrou
na sacristia, jogou-se num canto, onde chorou de pena e de tristeza
até esgotar as lágrimas.
— Está
bem, Senhor, tu ganhas — disse depois.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
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