domingo, 20 de outubro de 2024

Cartas na Rua | SEIS




4

Então alguns homens apareceram e arrancaram todos os bebedores.
Ei, veja, que merda esses caras estão fazendo? — perguntei.
Ninguém parecia interessado.
Eu estava na seção da terceira categoria. Fui até outro funcionário.
Veja! — eu disse. — Estão levando nossa água embora!
Ele deu uma olhada na direção do bebedor e voltou a carimbar suas cartas de terceira categoria.
Tentei com outros funcionários. Revelaram o mesmo desinteresse. Eu não conseguia entender aquilo.
Pedi para que mandassem o cara do sindicato designado para minha área.
Depois de um longo atraso, eis que o sujeito apareceu — Parker Anderson. Parker costumava dormir em um velho carro e se lavava e fazia a barba e cagava em postos de gasolina que não trancavam seus banheiros. Parker tinha tentado a vida de gigolô, mas fracassara. Depois disso, tinha vindo para a Central dos Correios, entrado para o sindicato, ido às reuniões dos sindicalistas onde terminou por se tornar um dos cabeças. Logo já era um representante do sindicato e depois foi eleito vice-presidente.
Qual é o problema, Hank? Sei que você não precisa de mim para lidar com seus superiores!
Não venha dar uma de vaselina para cima de mim, baby. Escute, venho pagando as taxas do sindicato há quase doze anos e nunca pedi porra nenhuma!
Tudo bem, o que está pegando?
São os bebedores.
Os bebedores estão com problema?
Não, caralho, os bebedores estão bem. O problema é o que estão fazendo com eles. Veja.
Veja o quê? Onde?
Lá!
Não vejo nada.
É esta a verdadeira natureza do que me deixa puto da cara. Costumava haver um bebedor ali.
Então o levaram. E que porra isso importa?
Olhe, Parker, não me importaria caso fosse um. Mas estão arrancado todos os outros bebedores do prédio. Se não pararmos a ação deles agora, logo estarão fechando até os banheiros e... bem... o que virá depois... não sei...
Tudo bem — disse Parker —, o que você quer que eu faça?
Quero que você mexa esse seu rabo e descubra por que os bebedores estão sendo removidos.
Está bem. Encontro você amanhã.
E faça seu trabalho. Doze anos de taxas de sindicato são 312 dólares.

No dia seguinte tive de procurar o Parker. Ele ainda não tinha a resposta. Também não a tinha no dia seguinte e no outro depois desse. Disse a Parker que estava cansado de esperar. Dei-lhe um ultimato: mais um dia.
No dia seguinte, aproximou-se de mim no espaço em que fazíamos o intervalo.
Está tudo certo, Chinaski, descobri o que está acontecendo.
E aí?
Em 1912, quando este prédio foi construído...
Em 1912? Mas isso é mais de meio século! Não é de admirar que esse lugar se pareça com o puteiro do Kaiser!
Vamos, pare com isso. Escute, em 1912, quando o prédio foi construído, o contrato exigia a instalação de um certo número de bebedores. Ao revisar o documento, no entanto, os Correios descobriram que havia o dobro de bebedores previstos no contrato original.
Sim, tudo bem — eu disse —, mas que mal pode haver em termos o dobro de bebedores? Os empregados só vão beber muita água.
Certo. Mas os bebedores atrapalham um pouco a passagem. Ficam no meio do caminho.
E?
Escute. Suponha que um funcionário dê uma trombada em um bebedor. Suponha depois que ele arrume um advogado astuto. Imagine mais, que ele tenha sido prensado contra o bebedor por um carrinho cheio de enormes sacos de revistas.
Agora entendo. O bebedor não deveria estar ali. Os Correios são processados por negligência.
É bucha!
Está certo. Obrigado, Parker.
Ao seu dispor.
Se ele tivesse inventado aquilo, era uma história que quase valia os 312 dólares. Já vi coisas bem piores publicadas na Playboy.

Charles Bukowski, em Cartas na Rua

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