E
se lhe apresentassem uma oportunidade maravilhosa e única na vida,
mas você tivesse de atravessar o país em três dias para
aproveitá-la? Você ficaria entusiasmado e começaria a fazer
planos? Ou pensaria na sua casa, preocupado em como encaixotar tudo a
tempo? Entraria em desespero com a ideia de transportar suas coisas
por milhares de quilômetros (ou, pior, acharia isso completamente
absurdo)? Será que acabaria concluindo que não vale o esforço, que
você está “acomodado” aqui e que talvez, mais para a frente,
surja outra oportunidade?
Sei
que a pergunta a seguir parece loucura, mas será que as suas coisas
teriam o poder de prendê-lo a um lugar? Para muitos de nós, é bem
provável que a resposta seja “sim”.
As
coisas podem funcionar como âncoras. Elas nos fixam e nos impedem de
explorar novos interesses e desenvolver talentos. Elas podem
atrapalhar nossos relacionamentos, o sucesso profissional e o tempo
com a família. Podem sugar nossa energia e nosso espírito de
aventura. Você já evitou uma visita porque sua casa estava
bagunçada demais? Já perdeu um jogo de futebol do seu filho porque
estava fazendo hora extra a fim de pagar as prestações do cartão
de crédito? Já deixou passar uma viagem para um lugar exótico
porque não tinha ninguém para “cuidar da casa”?
Olhe
para as coisas à sua volta no cômodo em que está agora. Imagine
que cada um desses itens — cada objeto pessoal — está ligado a
você por uma corda. Alguns estão presos a seus braços, outros à
sua cintura e outros a suas pernas. (Se quiser ser mais dramático,
visualize correntes no lugar de cordas.) Agora tente se levantar e
dar uma volta com todas essas coisas se arrastando e ressoando atrás
de você. Não é fácil, hein? Acho que você não vai conseguir
chegar muito longe nem fazer muita coisa. Vai logo desistir, voltar a
se sentar e se dar conta de que é preciso muito menos esforço para
ficar onde está.
Da
mesma forma, bagunça demais também pode pesar no humor. É como se
todos os objetos tivessem seu próprio campo gravitacional e
estivessem nos puxando constantemente para baixo e para trás.
Podemos nos sentir literalmente pesados e letárgicos num cômodo
abarrotado, cansados e preguiçosos demais para nos levantar e fazer
alguma coisa. Compare isso com um ambiente limpo, iluminado e com
poucos móveis — num espaço assim, nos sentimos leves e cheios de
possibilidades. Sem o peso de todos os pertences, sentimo-nos com
energia e prontos para tudo.
Com
isso em mente, podemos nos sentir tentados a fingir uma arrumação
rápida e criar a ilusão de um espaço organizado. É só dar uma
passada na loja de departamento, comprar algumas caixas bonitas e
criar um cômodo minimalista instantâneo. Infelizmente, o simples
ato de enfiar tudo em gavetas, cestas e latas não resolve o
problema: a máxima “o que os olhos não veem o coração não
sente” não funciona aqui. Mesmo coisas escondidas (seja no armário
do corredor, lá na despensa ou num depósito do outro lado da
cidade) continuam pesando em nosso coração. Para nos libertarmos
mentalmente, precisamos nos livrar de verdade das coisas.
Algo
mais a se considerar: além de nos comprimir fisicamente e nos
sufocar psicologicamente, as coisas também nos escravizam em termos
financeiros, através das dívidas que adquirimos para pagar por
elas. Quanto mais devemos, mais insones são as noites e mais
limitadas as nossas oportunidades. Não é nada agradável levantar
toda manhã e ir se arrastando para um trabalho de que não gostamos
a fim de pagar por coisas que não temos, não usamos nem queremos
mais. É possível pensar em muitas outras coisas que preferiríamos
estar fazendo! Além disso, se esgotamos nosso salário (e mais um
pouco) em bens de consumo, secamos os recursos para outras atividades
mais gratificantes, como fazer aulas de artesanato ou investir num
negócio novo.
Viajar
é uma analogia perfeita da liberdade inerente a um estilo de vida
minimalista. Pense em como seria chato carregar duas ou três malas
pesadíssimas durante as férias. Faz séculos que você está
ansioso para essa viagem e, quando desembarca do avião, mal pode
esperar para explorar as paisagens. Não tão rápido — antes você
precisa esperar (e esperar e esperar) que as malas apareçam na
esteira de bagagem. Depois, precisa arrastá-las pelo aeroporto. É
provável que você siga direto para o ponto de táxi, porque
manobrá-las no metrô seria quase impossível. E nem pense em tentar
pegar lugar no city tour que está começando — você tem de ir
primeiro ao hotel e se livrar desse fardo gigantesco. Quando você
finalmente chega lá, desmaia de cansaço.
O
minimalismo, por outro lado, o deixa ágil. Imagine viajar apenas com
uma mochila leve — a experiência é definitivamente revigorante.
Você chega ao destino, desce do avião e passa pela maré de gente
esperando pela bagagem. Depois entra no metrô, pega um ônibus ou
anda em direção ao hotel. No caminho, experimenta todas as visões,
sons e aromas de uma cidade estrangeira, com o tempo e a energia para
saborear tudo. Você tem a liberdade e a flexibilidade de um pássaro
para se movimentar por aí — pode levar a mochila a museus e a
pontos turísticos e guardá-la num armário quando for preciso.
Diferente
do primeiro cenário, você começa com tudo e passa a tarde vendo as
paisagens em vez de arrastar suas coisas de um lado para o outro.
Chega ao hotel energizado por sua experiência e pronto para outra.
Quando
não estamos mais acorrentados às nossas coisas, podemos saborear a
vida, nos relacionar com outras pessoas e ser participativos em nossa
comunidade. Ficamos abertos a experiências e mais capazes de
reconhecer e aproveitar as oportunidades. Quanto menos bagagem
carregamos (tanto física como mentalmente), mais podemos viver!
Francine Jay, in Menos é mais: Um guia minimalista para organizar e simplificar sua vida
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