O
corpo de Raoni ocupa o centro da tela, seu cocar de penas amarelas e
borda escura permanece como um corpo celeste em rotação. O círculo
do sol é uma perfeição que não se extingue, e uma flama
alaranjada bem ao centro aponta para o cosmos. O que o olho não vê
é que o corpo de Raoni Metuktire é azul como o céu é azul em dias
sem nuvens. Raoni fala.
Ouça,
branco, preste atenção. Quando eu era deste tamanho, e Raoni faz um
gesto com as mãos mostrando o quanto era pequeno, eu costumava
dormir com a cabeça no braço do meu pai, assim, e ele dobra o braço
em direção ao próprio tronco e quase se torna possível vê-lo
ainda menino, repousando sobre o corpo do pai.
Ouça,
branco, preste atenção. Quando eu era deste tamanho eu costumava
dormir com a cabeça no braço do meu pai, assim. E ele me contava:
você vai crescer diferente dos seus irmãos. Eles brigam muito, você
não. Você se dá bem com as pessoas. Você vai ser amigo de todo
mundo. Você vai manter nosso povo unido. Um dia, no futuro, um outro
povo vai chegar aqui, um povo diferente, um povo desconhecido, e eles
serão capazes de exterminar a gente. É você quem vai manter nosso
povo unido. Então desde pequeno eu já sabia. Então, branco, branco
começou a matar. E foi aí que começou a guerra.
Os
braços de Raoni se configuram como duas jiboias. Suas cabeças sobem
e descem, elas deslizam às margens do rio que não é possível ver
além da tela, mas que está lá. Elas, as jiboias, bailam. O rosto
de Raoni, por sua vez, toma a aparência do witawató, o pássaro
gigante, uiruuetê.
Eu
vi o desenho das barragens. São várias delas. Vão afetar as terras
kaiapós. Existem muitas aldeias na beira do rio. Os outros caciques
têm que saber disso. Eu vou contar do meu conhecimento. A água não
pode ser barrada. Se o chefe de vocês continuar com o plano de fazer
barragens, eu vou à guerra com ele. Os homens nascem livres e com
direitos iguais.
Micheliny Verunschk, in O som do rugido da onça
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