terça-feira, 25 de janeiro de 2022

O som do rugido da onça | XII

O corpo de Raoni ocupa o centro da tela, seu cocar de penas amarelas e borda escura permanece como um corpo celeste em rotação. O círculo do sol é uma perfeição que não se extingue, e uma flama alaranjada bem ao centro aponta para o cosmos. O que o olho não vê é que o corpo de Raoni Metuktire é azul como o céu é azul em dias sem nuvens. Raoni fala.
Ouça, branco, preste atenção. Quando eu era deste tamanho, e Raoni faz um gesto com as mãos mostrando o quanto era pequeno, eu costumava dormir com a cabeça no braço do meu pai, assim, e ele dobra o braço em direção ao próprio tronco e quase se torna possível vê-lo ainda menino, repousando sobre o corpo do pai.
Ouça, branco, preste atenção. Quando eu era deste tamanho eu costumava dormir com a cabeça no braço do meu pai, assim. E ele me contava: você vai crescer diferente dos seus irmãos. Eles brigam muito, você não. Você se dá bem com as pessoas. Você vai ser amigo de todo mundo. Você vai manter nosso povo unido. Um dia, no futuro, um outro povo vai chegar aqui, um povo diferente, um povo desconhecido, e eles serão capazes de exterminar a gente. É você quem vai manter nosso povo unido. Então desde pequeno eu já sabia. Então, branco, branco começou a matar. E foi aí que começou a guerra.
Os braços de Raoni se configuram como duas jiboias. Suas cabeças sobem e descem, elas deslizam às margens do rio que não é possível ver além da tela, mas que está lá. Elas, as jiboias, bailam. O rosto de Raoni, por sua vez, toma a aparência do witawató, o pássaro gigante, uiruuetê.
Eu vi o desenho das barragens. São várias delas. Vão afetar as terras kaiapós. Existem muitas aldeias na beira do rio. Os outros caciques têm que saber disso. Eu vou contar do meu conhecimento. A água não pode ser barrada. Se o chefe de vocês continuar com o plano de fazer barragens, eu vou à guerra com ele. Os homens nascem livres e com direitos iguais.

Micheliny Verunschk, in O som do rugido da onça

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