Chiquinha Gonzaga: pianista e maestrina, compôs a primeira marchinha de carnaval
Mais
de um século depois do seu primeiro carnaval, “Ó abre alas”
continua animando bailes, tocada em bandas e blocos, lembrada no
palco e nas telas. Carnavalesca em qualquer época do ano, ela abre
esta lista carregada de simbolismos: inaugura tanto a canção
popular brasileira quanto um novo gênero, as marchinhas de carnaval;
e foi composta por uma mulher revolucionária, ainda no século XIX.
É certamente uma das que mais tocaram a alma brasileira.
Quando
fez a marcha-rancho “Ó abre alas”, a também abolicionista,
republicana, feminista avant la lettre e pioneira na luta pelos
direitos autorais Chiquinha Gonzaga já era reconhecida como
compositora, pianista e maestrina. Ao lado de outro mestre, Joaquim
Callado, foi uma das inventoras do choro – a forma brasileira de
tocar polca, valsa, habanera, tango e demais estilos internacionais
da época. Antes do surgimento do disco gravado e do rádio, suas
músicas eram sucesso nos teatros e nas partituras para piano que ela
mesma vendia nas ruas do Rio de Janeiro.
Para
que esses feitos e tantos outros pudessem acontecer, Francisca
Edwiges Neves Gonzaga (1847-1935) teve que bater de frente com a
sociedade conservadora da época. Rompeu com o primeiro marido – e
perdeu a guarda dos filhos –, casou, se separou e perdeu a guarda
de outro filho de novo. Até que, em 1899, ano em que compôs “Ó
abre alas”, sua vida mudou, e ela abriu alas para o amor passar:
com 52 anos, passou a viver com um jovem de 16, aprendiz de música,
que foi seu amor e seu marido até o fim da vida, aos 87 anos, em
1935.
No
início de 1899, Chiquinha morava no bairro carioca do Andaraí e,
certa tarde, brincando ao piano, ouviu o som de um ensaio na sede do
cordão Rosa de Ouro, vizinha à sua casa. Sucesso dos salões e dos
teatros, ela já tinha feito polcas e tangos carnavalescos, mas,
dessa vez, seduzida pelo ritmo percussivo e pelo canto festivo,
resolveu aproveitar o grito de “abre alas”, que era comum entre
os cordões, para criar o que chamou de marcha-rancho. Os ranchos e
os cordões eram os principais animadores do carnaval de rua no Rio
do fim do século XIX, equivalente aos blocos que, hoje, voltaram e
cresceram em progressão geométrica tomando a cidade. O cordão era
a opção para quem não podia frequentar os salões e os bailes da
sociedade – ou para quem sabia que a folia verdadeira estava na
rua.
Nos
primeiros anos, a música ficou restrita aos foliões do Rosa de
Ouro. No início de 1904, Chiquinha adaptou “Ó abre alas” para
uma peça teatral e, já no carnaval daquele ano, transbordou do
palco para as ruas e a boca do povo. O sucesso abriu alas para as
marchinhas, gênero que continua vivo no Brasil, e também para o
choro e o samba. Sua primeira gravação foi feita em 1911, pela
Banda da Casa Faulhaber & Co., num disco de 78 rpm, e
classificada no rótulo como “dobrado carnavalesco”.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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