sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Ó abre alas | Chiquinha Gonzaga, 1899

Chiquinha Gonzaga: pianista e maestrina, compôs a primeira marchinha de carnaval


Mais de um século depois do seu primeiro carnaval, “Ó abre alas” continua animando bailes, tocada em bandas e blocos, lembrada no palco e nas telas. Carnavalesca em qualquer época do ano, ela abre esta lista carregada de simbolismos: inaugura tanto a canção popular brasileira quanto um novo gênero, as marchinhas de carnaval; e foi composta por uma mulher revolucionária, ainda no século XIX. É certamente uma das que mais tocaram a alma brasileira.
Quando fez a marcha-rancho “Ó abre alas”, a também abolicionista, republicana, feminista avant la lettre e pioneira na luta pelos direitos autorais Chiquinha Gonzaga já era reconhecida como compositora, pianista e maestrina. Ao lado de outro mestre, Joaquim Callado, foi uma das inventoras do choro – a forma brasileira de tocar polca, valsa, habanera, tango e demais estilos internacionais da época. Antes do surgimento do disco gravado e do rádio, suas músicas eram sucesso nos teatros e nas partituras para piano que ela mesma vendia nas ruas do Rio de Janeiro.
Para que esses feitos e tantos outros pudessem acontecer, Francisca Edwiges Neves Gonzaga (1847-1935) teve que bater de frente com a sociedade conservadora da época. Rompeu com o primeiro marido – e perdeu a guarda dos filhos –, casou, se separou e perdeu a guarda de outro filho de novo. Até que, em 1899, ano em que compôs “Ó abre alas”, sua vida mudou, e ela abriu alas para o amor passar: com 52 anos, passou a viver com um jovem de 16, aprendiz de música, que foi seu amor e seu marido até o fim da vida, aos 87 anos, em 1935.
No início de 1899, Chiquinha morava no bairro carioca do Andaraí e, certa tarde, brincando ao piano, ouviu o som de um ensaio na sede do cordão Rosa de Ouro, vizinha à sua casa. Sucesso dos salões e dos teatros, ela já tinha feito polcas e tangos carnavalescos, mas, dessa vez, seduzida pelo ritmo percussivo e pelo canto festivo, resolveu aproveitar o grito de “abre alas”, que era comum entre os cordões, para criar o que chamou de marcha-rancho. Os ranchos e os cordões eram os principais animadores do carnaval de rua no Rio do fim do século XIX, equivalente aos blocos que, hoje, voltaram e cresceram em progressão geométrica tomando a cidade. O cordão era a opção para quem não podia frequentar os salões e os bailes da sociedade – ou para quem sabia que a folia verdadeira estava na rua.
Nos primeiros anos, a música ficou restrita aos foliões do Rosa de Ouro. No início de 1904, Chiquinha adaptou “Ó abre alas” para uma peça teatral e, já no carnaval daquele ano, transbordou do palco para as ruas e a boca do povo. O sucesso abriu alas para as marchinhas, gênero que continua vivo no Brasil, e também para o choro e o samba. Sua primeira gravação foi feita em 1911, pela Banda da Casa Faulhaber & Co., num disco de 78 rpm, e classificada no rótulo como “dobrado carnavalesco”.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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