O
imperador reina no topo da colina, flanqueado pelos templos de seus
mumificados confrades, cada qual com o próprio sumo sacerdote.
Degraus de pedra e rodovias ligam cada pico ao longo da cordilheira.
Grandes cidades crescem e brilham. Nas encostas, as fazendas, e
abaixo delas, contra a costa, tão improvável quanto um pé de romã,
naquele local, um porto marítimo.
Há
comércio costeiro, é claro, e barcos de junco ocupam os lagos das
terras altas. Marinheiros e pescadores quíchuas sabem das formas do
vento, podem navegar em qualquer tempestade, se consideram à altura
das ondas. O horizonte do oceano ocidental sempre lhes pareceu uma
muralha: para além dele, descansa o fim do mundo. Mas um gênio que
passou a vida contando os caminhos das estrelas e juntando pedaços
de madeira e mato trazidos à praia pelas tempestades tem uma teoria
de que outra terra aguarda do outro lado da água. Outra gênia, uma
década mais velha do que o primeiro, descobriu um método de
entrelaçar o junco de maneira mais forte e mais durável do que
qualquer uma de suas mães já conseguira; com isso, uma equipe sob
seu comando pôde construir um barco grande o suficiente para
carregar uma vila.
De
que serve uma terra do outro lado da água, homens jovens perguntaram
ao primeiro gênio, quando não temos como chegar lá? Seria o mesmo
que tentar chegar à lua.
De
que serve para a pesca costeira, jovens homens perguntaram à segunda
gênia, um barco que pode carregar uma vila inteira?
Felizmente,
gênios entendem que homens jovens são quase sempre tolos.
Então
procuraram o ser mais sábio que conheciam: cada um, separadamente,
subiu os muitos milhares de degraus até o cume, e no dia da
audiência se ajoelharam ante o então bisavô do imperador,
mumificado em seu trono, enfeitado com ouro e joias, radiante em sua
idade e autoridade, e ofereceram a ele seus presentes. E os
sacerdotes secretos que esperam atrás do trono do imperador não são
jovens, nem são eles todos homens, e conseguem enquadrar dois pontos
em uma linha.
Então
é divulgada a ordem do bisavô-imperador, um porto é construído, e
marinheiros chegam, atraídos pela aventura. (Aventura funciona em
qualquer filamento — tem apelo para aqueles que se importam mais
com viver do que com suas vidas.) Eles navegarão juntos a um novo
mundo. Navegarão juntos a uma terra de monstros e de milagres. As
correntes guiarão seus imensos navios carregados de prata e
tapeçarias, com trama e destino.
Red
trama juncos com dedos tão calejados quanto a madeira. Ela foi uma
das primeiras estudantes da segunda gênia, a encorajou para procurar
a ajuda do bisavô-imperador e a segurou pelo braço enquanto subiam.
Ela não é nenhuma guerreira ali, nenhuma general; é uma mulher
mais alta do que o normal, que um dia saiu da floresta nua e sozinha
e recebeu abrigo. Ela trama e tece bem, porque aprendeu. Quando
terminar esse navio, o modelo de produção, grande o suficiente para
comportar pelo menos duas vilas — então ele navegará, e ela vai
navegar com ele, porque alguém precisa cuidar das tramas se elas se
quebrarem.
Há
um jogo delicado se desenrolando nesse filamento. Enquanto ela trama
e pensa, decide que o descreveria usando termos do jogo de Go: você
coloca cada pedra esperando que muitas coisas aconteçam. Uma
investida é também um bloqueio, que é também uma investida
diferente. Uma confissão é também um desafio, que é também uma
coação.
Será
que o povo de Tawantinsuyu enfrentará o oceano que seus assassinos
um dia chamarão de Pacífico e, encontrando as correntes rápidas,
viajará para as Filipinas, ou até mais longe, como outros viajaram
antes? Será que eles, ao cruzarem águas tão inexploradas que tudo
o que uma mulher precisa fazer para comer é lançar a mão sob as
ondas e pegar um peixe inquieto e prateado, vão encontrar novas
civilizações e fazer conquistas, ou arrumar aliados? Será que essa
aliança e comércio, estendidos pelo Pacífico, vão salvar
Tawantinsuyu quando as grotescas velas de Pizarro surgirem do sul?
Será que, ao menos, ter logo contato com a pragas da Eurásia
fortalecerá esse povo contra elas?
Ou:
será que os comerciantes irão mais longe, até a China comandada
pelos Ming, prestes a se recuperar de uma enorme crise monetária que
botará o império de joelhos — uma crise monetária provocada pela
taxa de câmbio flutuante entre o cobre e a prata, da qual o povo de
Tawantinsuyu tem uma ampla oferta? Estabilizados, será que os Ming
vão se esquivar do ciclo de quatro séculos de ascensão e queda dos
impérios e resistir, crescendo, se transformando, se expandindo para
acompanhar o ritmo lento do Iluminismo no Ocidente e sua presunçosa
Revolução Industrial?
Talvez.
Pouco provável — mas é preciso aproveitar toda e qualquer chance.
A Agência não está contente. Outros agentes foram capturados ou
mortos, apagados da trama ou isolados em filamentos nos quais é
melhor não pensar. Não Red. Ainda não. Mas ela precisa trabalhar
mais rápido.
As
mãos de Red escorregam sobre os nós. Ela não está apenas
pensando. Está explicando. E para quem ela está explicando? Bem.
Ela
olha para o encontro do céu e do mar.
Fica
de pé.
Vai
embora.
Ela
se sente observada. Talvez a Comandante a esteja observando? E se
estiver, para quê? Ela tem sido tão cuidadosa. Nem mesmo pensa no
nome do céu com frequência.
Um
velho a alcança passeando pela praia e oferece tecidos para velas.
Ela vai passando um a um: fraco demais, fraco demais, fraco demais,
áspero demais, e esse aqui — o que é isso? Amarfanhado e
irregular, mais um crochê do que um trançado.
— Este
aqui — ela diz.
Quando
o sol se põe no Oeste, ela se acomoda em uma pedra e desenrola a
linguagem dos nós por entre seus dedos duros como carvalhos. Ela
sente cada letra e palavra e pensa em quanto tempo o céu e o mar
passaram torcendo essa linha, e quem a ensinou o código dos nós,
para começar, se ela mordeu o lábio em frustração enquanto
tentava transpor uma passagem difícil.
Quando
o sol já se pôs, ela pega o fio desfeito, corta em pedaços do
mesmo tamanho e joga cada um na maré baixa.
As
estrelas brilham, e a lua. Uma forma escura desliza sobre as ondas
claras e mergulha. Um por um, a rastreadora junta os pedaços e os
amarra em seu pulso, tão apertado que seus dedos empalidecem e se
enrijecem. Ela fecha o punho, tensiona. Sua pele se abre sob a linha
e se fecha novamente sobre ela.
Red,
que esperou imóvel na costa desde o pôr do sol, vê algo parecido
com uma foca, contra as ondas de luz, e pondera.
Amal El-Mohtar e Max Gladstone, in É assim que se perde a guerra do tempo
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