Num concerto, o teatro cheio, ouve-se o sussurro das pessoas que conversam baixinho antes do início. Na frente o palco vazio e no seu centro um piano Steinway. De repente, as luzes se apagam, fica apenas o palco iluminado: é sinal de que o pianista vai entrar. Faz-se um silêncio absoluto. Ele entra vestido a rigor, sobrecasaca. Assenta-se ao piano, arruma o rabo da sobrecasaca atrás do banco, concentra-se por alguns segundos, coloca suas mãos sobre o teclado e a música se inicia. John Cage foi um compositor do século XX com muitas ideias curiosas, nem sempre bem recebidas pelo público. Uma delas é uma peça que compôs para piano. Acontece como descrito, o pianista se assenta, arruma a sobrecasaca, concentra-se, concentra-se, concentra-se, concentra-se... Não. Ele não está se concentrando. Ele está tocando... o silêncio. A presença do piano e do pianista tem um único propósito: criar o silêncio absoluto. No meio do silêncio absoluto, as pessoas começam a ouvir sons incomuns: o pulsar do coração, a música dos gases movendo-se nas curvas apertadas dos intestinos, o pigarro, um espirro, o som quase imperceptível do tráfego na rua distante...
Rubem Alves, in Do universo à jabuticaba
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