sexta-feira, 5 de junho de 2020

Caça ao porco Cerra-Dentes


O drive-in era divertimento. A caça ao porco no domingo de manhã era trabalho sério – ao menos para Miúdo e para Fup. Como saíam ao nascer do sol, vovô não ia com eles, não vendo razão alguma para perturbar seus sonhos ou, segundo alegava, para se exibir. No entanto, oferecia palpites sem fim.
Havia discussões consideráveis entre as pessoas do lugar a respeito de Fup ser realmente um pato-de-porco, no sentido em que Patrão fora um cão-de-porco. Com seu bamboleio de serpente, o bico trabalhando o chão como o nariz de um cão de caça traçando uma trilha recente, ela parecia estar caçando. Mas não encontrava muitos porcos, embora os farejasse ou desse com eles por acaso, frequentemente parecendo saber o que fazia. Para Miúdo, que a seguia tendo nos braços sua 243, não havia dúvida. Quando ele topava com uma trilha fresca, começa a grasnar para si mesma e, quando a trilha ficava mais quente, o volume e a intensidade aumentava. Ele considerava isso prova de que ela estava de fato na trilha, e não somente esquadrinhando. Também estava convencido de que ela tinha excelente olfato e, mesmo que ninguém concordasse, além de vovô Jake, acreditava que Fup era capaz de seguir o rastro de qualquer porco que quisesse. Mas ela estava atrás de um porco em particular: o Cerra-Dente. Miúdo tinha certeza de que os porcos que ela farejava, quando não se tratava do próprio, eram-lhe diretamente relacionados, talvez alguma cria com cheiro parecido. Não o podia provar, é claro, e isso o frustrava. Vovô lhe disse que não havia necessidade de provar nada, que a maior parte das coisas fala por si mesma, mas que também não devia presumir que todos os seus raciocínios fossem necessariamente corretos. As razões das coisas, advertiu vovô, eram complicadas.
Em 32 domingos de caça, encontraram o Cerra-Dentes duas vezes. Na primeira, o grasnar louco de Fup o assustou cedo demais, e Miúdo só teve tempo para um único tiro, a 250 metros. Ao som da espingarda, Cerra-Dentes saiu rolando colina abaixo. Mas, quando Miúdo e Fup conseguiram chegar até o local onde o tinham visto cair, não havia sinal dele. Nada de corpo, nada de sangue. Fup pegou o rastro imediatamente, mas o perdeu no final da descida que dava no riacho Mckensie. Subiram e desceram o riacho, dos dois lados, até bem depois do meio-dia, mas não encontraram sinal algum. Fup estava tão exausta que Miúdo teve que carregá-la para casa.
Na segunda vez que avistaram o Cerra-Dentes, ele os viu primeiro, fez a volta sobre as próprias pegadas, deitou-se num emaranhado bosque de castanheiros para esperar e, quando passaram, investiu contra as pernas de Miúdo; não acertou, mas derrubou-o e literalmente passou por cima de Fup e esmagou tão seriamente um dos seus pés palmípedes que foi preciso que Miúdo a carregasse de volta para casa. Mas Miúdo dera uma olhada clara – se bem que rápida – no Cerra-Dentes, pouco antes de cair de bunda no chão, e assegurou a Fup, enquanto a carregava, que aquele porco não poderia durar para sempre, que parecia estar ficando mais vagaroso, um tiquinho mais magro, perdendo uma presa, e definitivamente tinha agora um par de buracos de 243 em cada orelha, para combinar.
Vovô foi encontrá-los na porta da cozinha.
Nem precisa me dizer que viu aquele porco… sei que você viu.
Como é que você tem tanta certeza? – perguntou Miúdo.
Por que toda vez que o vê, você volta para casa carregando a Fup.
Fup Vaiou.
Miúdo fez uma carranca e depois sorriu.
Vovô soltou um uivo.
Cerra-Dentes, cansado do esforço, tomou seu caminho do riacho até o emaranhado de raízes expostas de sequoias, onde gostava de tirar suas sonecas nas tardes quentes. Deu uns poucos grunhidos profundos no caminho, ressoando sua satisfação. Ser perseguido a cada sete dias por um pato enorme e estranho e um menino gigante era um aborrecimento, mas não oferecia muito perigo. É claro, como diria vovô Jake, nada é muito perigoso para um imortal. Eles sobrevivem por definição, de um jeito ou de outro.
Jim Dodge, in Fup

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