O
drive-in era divertimento. A caça ao porco no domingo de
manhã era trabalho sério – ao menos para Miúdo e para Fup. Como
saíam ao nascer do sol, vovô não ia com eles, não vendo razão
alguma para perturbar seus sonhos ou, segundo alegava, para se
exibir. No entanto, oferecia palpites sem fim.
Havia
discussões consideráveis entre as pessoas do lugar a respeito de
Fup ser realmente um pato-de-porco, no sentido em que Patrão fora um
cão-de-porco. Com seu bamboleio de serpente, o bico trabalhando o
chão como o nariz de um cão de caça traçando uma trilha recente,
ela parecia estar caçando. Mas não encontrava muitos porcos,
embora os farejasse ou desse com eles por acaso, frequentemente
parecendo saber o que fazia. Para Miúdo, que a seguia tendo nos
braços sua 243, não havia dúvida. Quando ele topava com uma trilha
fresca, começa a grasnar para si mesma e, quando a trilha ficava
mais quente, o volume e a intensidade aumentava. Ele considerava isso
prova de que ela estava de fato na trilha, e não somente
esquadrinhando. Também estava convencido de que ela tinha excelente
olfato e, mesmo que ninguém concordasse, além de vovô Jake,
acreditava que Fup era capaz de seguir o rastro de qualquer porco que
quisesse. Mas ela estava atrás de um porco em particular: o
Cerra-Dente. Miúdo tinha certeza de que os porcos que ela farejava,
quando não se tratava do próprio, eram-lhe diretamente
relacionados, talvez alguma cria com cheiro parecido. Não o podia
provar, é claro, e isso o frustrava. Vovô lhe disse que não havia
necessidade de provar nada, que a maior parte das coisas fala por si
mesma, mas que também não devia presumir que todos os seus
raciocínios fossem necessariamente corretos. As razões das coisas,
advertiu vovô, eram complicadas.
Em
32 domingos de caça, encontraram o Cerra-Dentes duas vezes. Na
primeira, o grasnar louco de Fup o assustou cedo demais, e Miúdo só
teve tempo para um único tiro, a 250 metros. Ao som da espingarda,
Cerra-Dentes saiu rolando colina abaixo. Mas, quando Miúdo e Fup
conseguiram chegar até o local onde o tinham visto cair, não havia
sinal dele. Nada de corpo, nada de sangue. Fup pegou o rastro
imediatamente, mas o perdeu no final da descida que dava no riacho
Mckensie. Subiram e desceram o riacho, dos dois lados, até bem
depois do meio-dia, mas não encontraram sinal algum. Fup estava tão
exausta que Miúdo teve que carregá-la para casa.
Na
segunda vez que avistaram o Cerra-Dentes, ele os viu primeiro, fez a
volta sobre as próprias pegadas, deitou-se num emaranhado bosque de
castanheiros para esperar e, quando passaram, investiu contra as
pernas de Miúdo; não acertou, mas derrubou-o e literalmente passou
por cima de Fup e esmagou tão seriamente um dos seus pés palmípedes
que foi preciso que Miúdo a carregasse de volta para casa. Mas Miúdo
dera uma olhada clara – se bem que rápida – no Cerra-Dentes,
pouco antes de cair de bunda no chão, e assegurou a Fup, enquanto a
carregava, que aquele porco não poderia durar para sempre, que
parecia estar ficando mais vagaroso, um tiquinho mais magro, perdendo
uma presa, e definitivamente tinha agora um par de buracos de 243 em
cada orelha, para combinar.
Vovô
foi encontrá-los na porta da cozinha.
– Nem
precisa me dizer que viu aquele porco… sei que você viu.
– Como
é que você tem tanta certeza? – perguntou Miúdo.
– Por
que toda vez que o vê, você volta para casa carregando a Fup.
Fup
Vaiou.
Miúdo
fez uma carranca e depois sorriu.
Vovô
soltou um uivo.
Cerra-Dentes,
cansado do esforço, tomou seu caminho do riacho até o emaranhado de
raízes expostas de sequoias, onde gostava de tirar suas sonecas nas
tardes quentes. Deu uns poucos grunhidos profundos no caminho,
ressoando sua satisfação. Ser perseguido a cada sete dias por um
pato enorme e estranho e um menino gigante era um aborrecimento, mas
não oferecia muito perigo. É claro, como diria vovô Jake, nada é
muito perigoso para um imortal. Eles sobrevivem por definição, de
um jeito ou de outro.
Jim
Dodge, in Fup
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