domingo, 10 de maio de 2020

Mulheres bonitas

Señora Sabasa Garcia (1811), de Goya

Já escrevi que as belezas legendárias — os protótipos clássicos, as sedutoras bíblicas e todas as mulheres irresistíveis da história antes da fotografia — talvez não resistissem a uma câmera, e à comparação com as beldades produzidas de hoje. Mas talvez seja o contrário: hoje a fotografia e seus truques embelezam qualquer uma, bonitas mesmo eram as mulheres antigas que conquistaram sua reputação sem refletores. Os padrões de beleza mudam com o tempo, o que também prejudica a comparação. As rubicundas mulheres de Rubens, descontado o provável gosto pessoal do pintor, representavam o ideal de beleza bem fornida da sua época, mulheres com mais para ver e agarrar. Já ninguém duvida de que a Vê nus marítima de Boticelli poderia sair do quadro direto para uma passarela amanhã, só parando no caminho para tirar a areia dos pés.
As pinturas são o nosso único meio de saber o que era considerado mulher bonita, de época em época, no passado. As loiras do Boticelli continuam à nossa volta, todas de pretinho. Mas a duquesa de Alba, supostamente retratada por Goya como a famosa Maja, não justifica sua fama e não faria sucesso, hoje, nem vestida nem nua. Goya pintou algumas mulheres de beleza “moderna”, seja isso o que for, no entanto. Como a “Señora Sabasa Garcia”, que está na Galeria Nacional de Washington, mas poderia estar no cinema. E não se diga que Goya era um retratista bajulador. Seu quadro da família de Carlos VI é certamente o mais impiedoso retrato do poder jamais feito, a corte em toda a sua pretensão e feiúra, representando a corrupção e o despotismo que dominavam a Espanha. Ele pintava o que via. E a Mona Lisa entraria em alguma novela da Globo sobre a colonização italiana? Talvez, mas como empregada.
Mesmo há pouco tempo, no Brasil, os padrões de beleza eram outros. Bonito era a mulher estilo “violão”, vedetes coxudas do tipo Rubens de bolso. Se poderia até atribuir o gosto atual por mulheres longilíneas, e loiras, ao colonialismo cultural se uma das matrizes do novo padrão não estivesse na Florença do século XV.
Luís Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses

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