Señora
Sabasa Garcia (1811), de Goya
Já
escrevi que as belezas legendárias — os protótipos clássicos, as
sedutoras bíblicas e todas as mulheres irresistíveis da história
antes da fotografia — talvez não resistissem a uma câmera, e à
comparação com as beldades produzidas de hoje. Mas talvez seja o
contrário: hoje a fotografia e seus truques embelezam qualquer uma,
bonitas mesmo eram as mulheres antigas que conquistaram sua reputação
sem refletores. Os padrões de beleza mudam com o tempo, o que também
prejudica a comparação. As rubicundas mulheres de Rubens,
descontado o provável gosto pessoal do pintor, representavam o ideal
de beleza bem fornida da sua época, mulheres com mais para ver e
agarrar. Já ninguém duvida de que a Vê nus marítima de Boticelli
poderia sair do quadro direto para uma passarela amanhã, só parando
no caminho para tirar a areia dos pés.
As
pinturas são o nosso único meio de saber o que era considerado
mulher bonita, de época em época, no passado. As loiras do
Boticelli continuam à nossa volta, todas de pretinho. Mas a duquesa
de Alba, supostamente retratada por Goya como a famosa Maja, não
justifica sua fama e não faria sucesso, hoje, nem vestida nem nua.
Goya pintou algumas mulheres de beleza “moderna”, seja isso o que
for, no entanto. Como a “Señora Sabasa Garcia”, que está na
Galeria Nacional de Washington, mas poderia estar no cinema. E não
se diga que Goya era um retratista bajulador. Seu quadro da família
de Carlos VI é certamente o mais impiedoso retrato do poder jamais
feito, a corte em toda a sua pretensão e feiúra, representando a
corrupção e o despotismo que dominavam a Espanha. Ele pintava o que
via. E a Mona Lisa entraria em alguma novela da Globo sobre a
colonização italiana? Talvez, mas como empregada.
Mesmo
há pouco tempo, no Brasil, os padrões de beleza eram outros. Bonito
era a mulher estilo “violão”, vedetes coxudas do tipo Rubens de
bolso. Se poderia até atribuir o gosto atual por mulheres
longilíneas, e loiras, ao colonialismo cultural se uma das matrizes
do novo padrão não estivesse na Florença do século XV.
Luís
Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses
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