Na casa do rei, que é um palácio de
corindo e pórfiro vermelho antigo, não posso entrar, mas nos
jardins do rei, abertos à visitação pública, eu e meus amigos e
os amigos de meus amigos temos direito de passear e até de fazer
piquenique.
Vivemos de olhos cravados nas janelas da
casa do rei, pois há expectativa de ele assomar e saudar-nos ou
fazer um gesto qualquer. Até agora isto não aconteceu. Começamos a
suspeitar que o rei não mora, nunca morou em sua casa.
Então onde mora o rei, e se não mora
ali, por que não nos franqueiam a entrada da casa? O guarda
explicou-nos que seria contra o protocolo, e não pode haver rei sem
protocolo. E que não fazia mal o rei, por hipótese, não morar ali
ou mesmo em nenhum lugar, pois o rei não é propriamente uma pessoa,
mas uma instituição, ao passo que nós, seus súditos, somos
pessoas físicas e em geral não nos comportamos bem nos paços.
Um dia destes alguém, desconhecido de
nós todos, tentou forçar a entrada na casa do rei e foi dissuadido
com bons modos. Como insistisse, removeram-no à força. Meu filho de
oito anos, que assistiu à cena, perguntou: “Quem sabe se era o rei
que queria entrar?”.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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