Minha
vida oficial funcionava uma só vez cada três meses quando arribava
um barco de Calcutá que transportava parafina sólida e grandes
caixas de chá para o Chile. Febrilmente eu devia timbrar e assinar
documentos. Logo viriam outros três meses de inação e de
contemplação ermitã de mercados e templos. Esta é a época mais
dolorosa de minha poesia.
A
rua era minha religião. A rua birmanesa, a cidade chinesa com seus
teatros ao ar livre e seus dragões de papel e suas esplêndidas
lanternas; a rua hindu, a mais humilde, com seus templos que eram
comércio de uma casta e a gente pobre prosternada do lado de fora,
no barro; os mercados onde as folhas de bétel levantavam-se em
pirâmides verdes como montanhas de malaquita; as casas de pássaros,
os lugares de venda de feras e pássaros selvagens; as ruas
retorcidas pelas quais transitavam as birmanesas flexíveis com um
comprido charuto na boca, tudo isso me absorvia e ia me submergindo
pouco a pouco no sortilégio da vida real.
As
castas tinham classificado a população nativa como num coliseu de
galerias superpostas, em cujo topo sentavam-se os deuses. Os ingleses
mantinham por sua vez sua escala de castas que ia desde o pequeno
balconista, passava pelos profissionais e intelectuais, continuava
com os exportadores e culminava com o cume da magnificência, no qual
sentavam-se comodamente os aristocratas do Civil Service e os
banqueiros do empire.
Estes
dois mundos não se tocavam. A gente do país não podia entrar nos
lugares destinados aos ingleses e os ingleses viviam alheios à
palpitação do país. Tal situação me trouxe dificuldades. Meus
amigos britânicos me viram no veículo denominado gharry, carrinho
especializado em rolantes e efêmeros encontros galantes, e me
advertiram amavelmente que um cônsul como eu não devia usar esses
veículos por motivo algum. Também me intimaram a não sentar num
restaurante persa, lugar cheio de vida onde eu tomava o melhor chá
do mundo em pequenas taças transparentes. Foram as últimas
admoestações. Depois deixaram de me cumprimentar.
Senti-me
feliz com o boicote. Aqueles europeus preconceituosos não eram muito
interessantes e convenhamos que, afinal de contas, eu não tinha
vindo ao Oriente para conviver com colonizadores em trânsito mas sim
com o espírito antigo daquele mundo, com aquela grande e
desventurada família humana. Adentrei-me tanto na alma e na vida
dessa gente que me enamorei de uma nativa. Vestia-se como uma inglesa
e seu nome de guerra era Josie Bliss. Mas na intimidade de sua casa,
que logo compartilhei, despojava-se dos vestidos e do nome para usar
seu deslumbrante sarong e seu recôndito nome birmanês.
Pablo
Neruda, in Confesso que vivi
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