Ela
já viveu 96 anos. A saúde está perfeita, glicemia, colesterol,
pressão. Há os lisos cabelos brancos, as pernas trôpegas, a
bengala. Nunca ouvi dela uma lamentação pelas limitações da
velhice. Pelo contrário, ela goza intensamente os prazeres que lhe
restam, especialmente os prazeres da mesa, os prazeres dos olhos e o
prazer dos cachorros. A vida inteira ela amou os cachorros. Um dos
seus prazeres moleques é dar secretamente para os cachorros que se
assentam ao seu lado pedaços de pão mergulhados no café com leite.
Extasia-se com as cores das flores das árvores. Durante a
florescência dos ipês-rosas, ela não se cansava de repetir: “Como
são bonitos!”. Hoje ela viu a lua cheia, enorme, quase branca,
redonda. Quando o entusiasmo é demais, ela diz seus sentimentos em
alemão. “Wie die Welt ist doch so schön, aber Ich muss
scheiden...” – como o mundo é belo, mas eu tenho de partir…
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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