Fome,
pestes e guerra provavelmente continuarão a reivindicar milhões de
vítimas nas próximas décadas. No entanto, não são mais tragédias
inevitáveis, além da compreensão e do controle de uma humanidade
impotente. Em vez disso, tornaram-se desafios que podem ser
manipulados. Isso não ameniza o sofrimento de milhões de seres
humanos assolados pela pobreza; dos milhões que sucumbem todo ano à
malária, à aids e à tuberculose; ou dos milhões enredados na
armadilha de violentos círculos viciosos na Síria, no Congo ou no
Afeganistão. A mensagem não é de que a fome, as pestes e a guerra
desapareceram completamente da face da Terra nem de que devíamos
parar de nos preocupar com elas. É exatamente o contrário. Como a
História fazia com que fossem percebidas como insolúveis, não
estava em questão tentar acabar com esses problemas. As pessoas
rezavam a Deus em busca de milagres, mas não tentavam elas mesmas
exterminar a fome, as pestes e a guerra. Os que alegam que o mundo em
2016 é tão faminto, doente e violento quanto foi em 1916 perpetuam
essa visão derrotista antiquada. Eles pressupõem que todos os
esforços empreendidos pelo homem durante o século XX de não
valeram e que a pesquisa médica, as reformas econômicas e as
iniciativas de paz foram todas em vão. Se assim foi, para que
investir nosso tempo e nossos recursos em mais pesquisas médicas,
novas reformas econômicas ou novas iniciativas de paz?
Ao
reconhecer nossas conquistas no passado, estamos enviando uma
mensagem de esperança e responsabilidade, que nos incentiva a
mobilizar esforços ainda maiores no futuro. Tendo em vista nossas
realizações no século XX , se o sofrimento com a fome, as pestes e
a guerra perdurar, não será possível atribuir nenhuma culpa à
natureza ou a Deus. Somos dotados da capacidade de fazer as coisas
melhorarem e de reduzir ainda mais a incidência do sofrimento.
Porém,
o reconhecimento da magnitude de nossas conquistas traz consigo outra
mensagem: a História não tolera o vazio. Se as ocorrências de
fome, pestes e guerra estão decrescendo, algo está destinado a
tomar seu lugar na agenda humana. Temos que pensar com cautela a esse
respeito. Caso contrário, poderemos deparar com uma vitória total
nos velhos campos de batalha só para sermos pegos completamente
desprevenidos em frentes novas. Quais são os projetos que vão
substituir a fome, as pestes e a guerra no topo da agenda humana no
século XXI?
Um
projeto central consiste em proteger a humanidade e o planeta como um
todo dos perigos inerentes ao nosso poder. Conseguimos controlar a
fome, as pestes e a guerra graças, enormemente, a um fenomenal
crescimento econômico, que nos provê de alimento, medicina, energia
e matérias-primas abundantes. Mas esse mesmo crescimento
desestabiliza o equilíbrio ecológico do planeta de maneiras que só
estamos começando a investigar. O gênero humano atrasou-se no
reconhecimento desse perigo, e até agora pouco fez para combatê-lo.
A despeito de todos os discursos sobre poluição, ameaça global e
mudança climática, a maioria dos países ainda terá de fazer
sérios sacrifícios econômicos e políticos para melhorar a
situação. Quando chega o momento de optar entre crescimento
econômico e estabilidade ecológica, políticos, executivos e
eleitores sempre preferem o crescimento. No século XXI, teremos de
fazer melhor do que isso se quisermos evitar a catástrofe.
Por
qual outra causa a humanidade deverá se empenhar? Ficaríamos
satisfeitos em simplesmente contar nossas bênçãos, manter a fome,
as pestes e a guerra sob controle e proteger o equilíbrio ecológico?
Este poderia ser realmente o caminho mais sábio de ação, mas
parece ser pouco provável que o gênero humano o siga. Raramente nos
satisfazemos com o que já temos. A reação mais comum da mente
humana a uma conquista não é satisfação, e sim o anseio por mais.
Os seres humanos estão sempre em busca de algo melhor, maior, mais
palatável. Quando estivermos de posse de novos e imensos poderes, e
quando a ameaça da fome, das pestes e da guerra por fim for
afastada, o que faremos? O que farão o dia inteiro cientistas,
investidores, banqueiros e presidentes? Escrever poesia?
O
sucesso alimenta a ambição, e nossas conquistas recentes estão
impelindo o gênero humano a estabelecer objetivos ainda mais
ousados. Depois de assegurar níveis sem precedentes de prosperidade,
saúde e harmonia, e considerando tanto nossa história pregressa
como nossos valores atuais, as próximas metas da humanidade serão
provavelmente a imortalidade, a felicidade e a divindade. Reduzimos a
mortalidade por inanição, a doença e a violência; objetivaremos
agora superar a velhice e mesmo a morte. Salvamos pessoas da miséria
abjeta; temos agora de fazê-las positivamente felizes. Tendo elevado
a humanidade acima do nível bestial da luta pela sobrevivência,
nosso propósito será fazer dos humanos deuses e transformar o Homo
sapiens em Homo deus.
Yuval
Noah Harari, in Homo Deus: Uma breve história do amanhã
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