quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

A alegria inconcebível

Vocês pretendem que o desespero e a agonia são sejam mais do que preliminares, que o ideal consiste em excedê-los, que viver por muito tempo sob o seu domínio nos torna autômatos. Fazem da alegria a única salvação e menosprezam todo o resto. Qualificam de egoísmo a obsessão da agonia, e não encontram generosidade além da alegria. E vocês nos oferecem tal alegria; mas como querem que nós a aceitemos de fora? Pois enquanto ela não surgir de nós mesmos, enquanto ela não brotar de nossos recursos e de nosso próprio ritmo, as intervenções exteriores não servem para nada. É muito fácil recomendar a alegria àqueles que não podem se alegrar! E como alegrar-se, enquanto dia e noite a obsessão da loucura nos tortura? Se dão conta, aqueles que propõem a alegria a cada passo, do que querem dizer o temor de um colapso iminente, o suplício constante deste terrível pressentimento? Junta-se a isto a consciência da morte, ainda mais persistente que a da loucura. Gostaria que a alegria fosse um estado paradisíaco, mas somente se tem acesso a ela por meio de uma evolução natural. Pode ser que nós superemos um dia esta obsessão dos instantes de agonia, para penetrar num paraíso de serenidade. - As portas do Éden estarão, com efeito, fechadas para sempre frente a mim? Até o presente, não encontrei a chave.
Como não podemos alegrar-nos, não nos resta nada além do caminho dos sofrimentos, aquele de uma exaltação louca e sem limites. Conduzamos então a experiência dos instantes de agonia até sua derradeira expressão; vivamos o paroxismo de nosso drama interior! Então só subsistirá uma tensão suprema, desaparecendo, por sua vez, para deixar atrás de si um rastro de fumaça... Pois nosso fogo interior terá chegado a tudo consumir. A alegria não precisa de justificativa - ela representa um estado puro e generoso demais para que façamos seu elogio. Impossível aos desesperados orgânicos, a alegria exerce sobre os desesperados ocasionais uma atração suficiente para dispensar justificativa. A complexidade do desespero absoluto excede infinitamente a da alegria absoluta. Seria por isto que as portas do paraíso são estreitas demais para aqueles que perderam a esperança?
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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